“Apesar das medidas dos salários e das pensões”, Moody’s confia no Orçamento
A Moody’s, a única agência de rating que classifica Portugal como ativo especulativo (lixo, na gíria dos mercados), diz que o país “está prestes a voltar ao rating de investimento”. As palavras são de EvanWohlmann, o economista que segue a República. Ontem, no encontro anual da agência, em Lisboa, fez o ponto da situação a vários gestores. Em entrevista ao DN/DinheiroVivo, elogia o Orçamento de 2018, relativiza o efeito da reversão de rendimentos e vê a dívida como menos problemática. Mas há riscos. O potencial da economia é muito fraco. O que falta para a dívida de Portugal voltar a ser um ativo de investimento? Subimos o outlook de estável para positivo em setembro e isso refletiu uma série de fatores. A retoma da economia e, mais importante, a estrutura do crescimento, com o investimento a evidenciar-se na história do crescimento. Isto também aconteceu na zona euro. Essa dimensão do investimento foi algo que faltou nas fases iniciais da recuperação e na nossa perspetiva dá um grau de resiliência ao crescimento futuro. Também vimos o desempenho orçamental a exceder as nossas expectativas em 2016. E não fomos só nós. A Comissão Europeia também, quando a meio do ano passado Portugal acabou por confirmar a saída do Procedimento dos Défices Excessivos (PDE). A saída e o melhor desempenho nas Finanças reflete uma série de melhorias orçamentais, incluindo a redução na despesa de capital [ativos financeiros, ajudas a bancos etc.] e maior restrição à despesa em bens e serviços. Quando juntamos tudo isto, podemos dizer que temos mais confiança no governo e que os orçamentos daqui para a frente vão continuar a ser prudentes. A dívida é hoje mais sustentável? A nível do financiamento do governo, verificámos uma mitigação de riscos face a choques ascendentes nas taxas de juro. Reforçaram o pagamento das partes mais caras dos empréstimos, por exemplo. Normalmente, tomamos uma decisão sobre esse outlook num período de 12 a 18 meses [análise que teve início a 1 de setembro passado] e o que estamos à espera, o que suportará uma subida de rating para nível de investimento, é a confirmação de que todas essas tendências que lhe referi são sustentáveis. Hoje já sente que são? Para nós é importante ter a confirmação de que as melhorias económicas e orçamentais são sustentáveis a prazo. É por isso que, como referi, o alargamento da história do crescimento a vários agregados é muito importante, é o que nos dá a tal noção de sustentabilidade. Do lado orçamental, a estrutura do orçamento, da despesa, é importante porque também sinaliza que pode ser mantida. Querem ser convencidos de que as coisas vão correr como diz o governo mas no longo prazo? Claro. O que é importante não é só o que aconteceu em 2017, e vamos ter números sobre o crescimento na semana que vem e depois sobre o défice provavelmente em abril, nem o que vai acontecer em 2018. Precisamos de uma perspetiva clara sobre o longo prazo, que para nós é um horizonte de três a quatro anos. Queremos perceber para onde vai Portugal depois de 2018, monitorizando os desenvolvimentos para darmos a nossa opinião ou avaliação sobre como o perfil de crédito irá evoluir após este ano.
› Evan Wohlmann é um dos vice-presidentes da Moody’s e será o economista que tirará Portugal do lixo, o rating desde 2011. › Wohlman é formado em Economia pela Universidade da Cidade do Cabo, em 2007. Tirou o mestrado na Pompeu Fabra, Barcelona. Trabalhou na KPMG; Banco de Inglaterra, entre 2009 e 2015. Saiu do banco central britânico para a Moody’s há três anos.
Porquê?
Porque é a partir do momento em que as condições cíclicas da economia começam a mudar, é quando o ciclo dá a volta, ou quando pode haver choques. A Moody’s precisa de tempo e de muito mais informação para subir o rating? Até abril já terão suficiente? Os 12 a 18 meses são apenas uma orientação, é o horizonte normal da nossa avaliação. Ou seja, pode haver subida em abril? Em alguns casos já aconteceu antes dos 12, noutros esperámos além dos 18 meses. Cada caso é diferente, como compreenderá. No fundo, o intervalo 12-18 é a nossa média. Não fazemos comentários sobre ações futuras no rating. A informação que reuniram desde o início de setembro até ao dia de hoje é favorável, neutra ou desfavorável? Gostaram do Orçamento de 2018, das medidas de salários e pensões? Em relação às coisas que estamos à procura, posso dizer que alguns dos desenvolvimentos que vimos desde setembro evoluíram em linha com as nossas expectativas e consideramos que o Orçamento de 2018 foi feito de maneira rela- tivamente prudente, que nos dá confiança de que o défice irá ficar bem abaixo do limite dos 3% do PIB [Pacto de Estabilidade], de que os excedentes primários também serão mantidos, dando assim suporte à tendência de descida da dívida. Isto apesar de o Orçamento ter medidas geradoras de despesa, como as dos salários e das pensões. Além disso, os níveis de sentimento económico, apesar de terem registado alguma moderação, ainda estão elevados, suporta a nossa visão de que o crescimento vai continuar em 2019. Falava do investimento como fator diferenciador. Continuará a ser assim? Em 2018, vemos uma moderação nas taxas muito fortes de crescimento do investimento, mas isso está em linha com as expectativas que formámos em setembro. A esquerda tem dado apoio às políticas do governo. Ao início, a Moody’s levantou dúvidas quanto a esse acordo. Hoje sentem-se mais confortáveis com isso? Como referi, o que vimos em termos orçamentais foi que, apesar de se ter avançado com uma série de medidas dispendiosas, particularmente as dirigidas a salários e a pensões, a posição global do Orçamento, suportada em parte pelas melhores condições económicas envolventes, manteve-se relativamente prudente e confiamos que o défice respeita os limites. O que é importante para nós é que esse envelope ou pacote orçamental nos dê um défice bem abaixo dos 3% e a manutenção dos tais excedentes primários. Mas notamos que algumas das decisões tomadas do lado da despesa podem criar desafios futuros à consolidação orçamental. Mas de momento, não... De momento, o melhor ambiente de taxas de juro, a expansão da economia que suporta a receita de impostos e que leva a menores gastos com o desemprego ajuda o Orçamento. Portugal tem beneficiado da política de juros muito baixos do BCE (QE ou quantitative easing). A sua descontinuação é um perigo para o país? Não diria que sejam dos mais expostos. Um dos fatores que apoiou o nosso outlook positivo foi o facto de o financiamento público ter melhorado com decisões do governo que melhoraram o perfil da dívida, que ajudaram a reduzir o risco de um choque nas taxas de juro. Na verdade, o mais importante em termos de riscos são os choques económicos e orçamentais. Essas decisões do governo ajudaram a trancar as taxas de juro mais baixas, por mais tempo. Além disso, o facto de os défices estarem a descer faz que a necessidade de ir ao mercado pedir emprestado todos os anos também se tenha reduzido. As taxas são mais sensíveis a quê? As taxas soberanas continuam a ser mais sensíveis a alterações no sentimento dos investidores do que as de outros países da periferia. Mas vimos, por exemplo, que o BCE começou a reduzir as suas compras de dívida pública (aos bancos) já em 2017 e no início deste ano, mas isso não se traduziu em taxas mais altas.