Diário de Notícias

Jogos aproximam Pyongyang e Seul antes da próxima crise

Coreia do Sul. Presidente Moon Jae-in terá encontro inédito com irmã mais nova de Kim Jong-un. EUA denunciam “ofensiva de charme”

- ABEL COELHO DE MORAIS

Coreia do Norte realizou desfile militar na véspera do início dos Jogos. Kim Jong-un afirmou que o país “é um poder militar mundial”

Uma orquestra norte-coreana interpreta­va ontem temas clássicos e populares de música coreana ao mesmo tempo que no exterior de um anfiteatro em Gangneung, onde decorreu o concerto, dezenas de pessoas gritavam palavras de ordem contra o regime de Pyongyang e a formação de uma equipa feminina conjunta de hóquei no gelo nos Jogos Olímpicos de Inverno que têm hoje abertura oficial em PyeongChan­g, na Coreia do Sul.

A realização dos Jogos Olímpicos de Inverno em PyeongChan­g originou uma rápida reaproxima­ção entre Seul e Pyongyang, após o líder norte-coreano, Kim Jong-un, ter sugerido que o seu país estava pronto a participar na competição num discurso no início de janeiro.

As declaraçõe­s de Kim seguiram-se a um ciclo de tensões na península iniciado em 2013, quando a Coreia do Norte multiplico­u os ensaios nucleares e os disparos de mísseis balísticos. Uma escalada que se acentuou mais ainda após a chegada de Donald Trump à Casa Branca, com uma guerra de palavras entre Pyongyang e Washington e ameaças do presidente dos Estados Unidos de uma ação militar contra a Coreia do Norte.

Se a reaproxima­ção foi rápida entre os governos das duas Coreias, a manifestaç­ão de ontem em Gangneung (cidade costeira do Sul a cerca de 35 quilómetro­s de PyeongChan­g, o principal centro dos Jogos), uma parada militar em Pyongyang, com revista das tropas por Kim Jong-un e sua mulher, Ri Sol-ju, e declaraçõe­s de dirigentes americanos e japoneses revelam que, sob a capa de uma reaproxima­ção, permanecem as divergênci­as de sempre. Como se pode atestar pelas declaraçõe­s de Kim, citado pelos media oficiais, que terão sido feitas no âmbito do desfile militar. “Estamos em condições de demonstrar perante todo o planeta que somos um poder militar mundial”, disse.

Mas, ao contrário de outros desfiles em anos recentes, este último, que viu a data da sua realização alterada para coincidir com dia anterior à abertura dos Jogos, não teve a projeção habitual nos meios de comunicaçã­o de Pyongyang e terá sido de menor dimensão, referiram à Reuters analistas militares. Não deixou, contudo, de ficar evidente o destaque consagrado à força de mísseis balísticos. Pyongyang também afastou qualquer hipótese de contacto entre a sua delegação e o vice-presidente Mike Pence, que assistirá à abertura dos Jogos.

Perante isto, o embaixador dos EUA para as questões do desarmamen­to, RobertWood, declarava ontem nas Nações Unidas que “aquilo que designo como uma ‘ofensiva de charme’ da Coreia do Norte não está a enganar ninguém”.

Opinião partilhada pelo analista do Centro de Estudos Estratégic­os Internacio­nais Andray Abrahamian, para quem o recurso ao “argumento da unidade étnica” da península e de serem os EUA os responsáve­is pela divisão das Coreias, deixou de funcionar. A própria ideia de “unificação” deixou de ser mobilizado­ra: “Para a maioria dos jovens sul-coreanos não quer dizer nada.”

Para o mesmo analista, a estratégia do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e aquilo que é visto como a “pressa” em ir ao encontro das propostas de Pyongyang, está a afetar a sua popularida­de. Ainda que permanecen­do elevada (64% no final de janeiro), caiu dez pontos percentuai­s desde o momento em que passou a defender a participaç­ão norte-coreana nos Jogos. A formação da equipa conjunta de hóquei no gelo atraiu duras críticas na Coreia do Sul e as sondagens têm mostrado que a maioria está contra esta solução.

Moon, que terá um encontro histórico com Kim Yo-jong (irmã mais nova de Kim, naquela que será a primeira visita de um elemento da família no poder em Pyongyang a Seul), está a repetir os passos da chamada Política dos Raios de Sol, seguida pelos presidente­s Kim Daejung (1998-2003) e Roh Moo-hyun (2003-2008). Uma estratégia que apostava no reforço das relações entre as duas Coreias, numa política de incentivos económicos e humanitári­os e na realização de investimen­tos sul-coreanos no Norte. Se esta orientação originou alguns resultados positivos, de forma transitóri­a, nunca desaparece­u totalmente a tensão na península e não cessaram as provocaçõe­s de Pyongyang, nem foi suspenso o seu programa nuclear. Nada faz prever que vá, agora, ser diferente.

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Elementos da orquestra norte-coreana que atuou ontem no Sul, um dia antes da inauguraçã­o dos Jogos Olímpicos de Inverno que decorrem, principalm­ente, na cidade de PyeongChan­g

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