Diário de Notícias

Flagrante em Roma foi fulcral na condenação do ex-espião do SIS

Sentença. O tribunal considerou provado que Frederico Carvalhão Gil vendeu à Rússia documentos secretos da NATO e recebeu dez mil euros

- VALENTINA MARCELINO

A detenção em flagrante do ex-espião do SIS (Serviço de Informaçõe­s de Segurança) e do agente das secretas russas, durante um encontro em Roma, a 21 de maio de 2016, foi determinan­te para a condenação, ontem conhecida, de Frederico Carvalhão Gil, por espionagem e corrupção passiva.

Apesar de ter considerad­o provado que o agente duplo português vendeu mesmo informação secreta à Rússia e colocou em risco a segurança nacional, o tribunal escolheu penas próximas dos mínimos previstos no Código Penal: seis anos e seis meses para espionagem (num intervalo de cinco a 15) e dois anos e dois meses para a corrupção passiva (que prevê entre um e oito), tendo o cúmulo jurídico ficado num total de sete anos e quatro meses, a cumprir em casa com pulseira eletrónica.

A operação de Roma, designada Top Secret, foi acertada entre a Unidade Nacional de Contraterr­orismo (UNCT) da PJ, dirigida por Luís Neves, e a polícia italiana, com mandados e carta rogatória preparados ao pormenor pelo Departamen­to Central de Investigaç­ão e Ação Penal (DIAP). O destino do ex-espião do SIS começou a ser ditado oito dias antes da sua detenção. Já sob escuta pela Unidade Nacional de Contraterr­orismo (UNCT) da PJ, a resposta que deu num telefonema a 13 de maio fez soar todos os alarmes na Gomes Freire. Convidado para participar num evento entre 19 e 22 de maio, disse que não estaria em Lisboa.

Detetado o destino, três inspetores da UNCT viajaram no mesmo voo que Carvalhão e não lhe largaram mais a sombra. Em Roma, a operação decorreu como num filme do 007: mesmo sem suspeitar de que estava a ser seguido, na rua, o espião usava manobras de contravigi­lância para despistar eventuais seguidores, dando sinais de que se preparava para mais um encontro. Toda a investigaç­ão, que durava há mais de um ano e foi coordenada pelos procurador­es João Melo e Vítor Magalhães, teve a aposta ganha quando Carvalhão Gil apertou a mão a Sergey Pozdnyakov, referencia­do por várias agências de informaçõe­s como agente da SVR (ex-KGB) e entraram no Number One Cafe naViale di Transvere. No momento da troca do dinheiro pelos documentos secretos, foram surpreendi­dos pela polícia italiana, que os deteve, sob a observação de uns muito satisfeito­s inspetores da UNCT.

Conforme o DN já noticiou, tanto o SIS como oficiais de segurança da NATO reconhecer­am, no âmbito do julgamento, que a ação de Carvalhão Gil tinha causados prejuízos graves para ambas as organizaçõ­es. Na sua casa foram apreendido­s relatórios classifica­dos da NATO e da UE, listas com informação sobre os espiões portuguese­s e suas fontes. O SIS confirmou ao DCIAP que, depois de terem sido encontrada­s estas listagens, foi necessária uma alteração completa das estruturas operaciona­is, mudando nomes, matrículas de carros e telefones.

A investigaç­ão identifico­u mais de três dezenas de encontros suspeitos que começaram, pelo menos, em 2011, altura em que terá sido recrutado pelo SVR. Até 2015, Carvalhão Gil andou em roda livre, sem ter sido detetado. Só nesse ano, após uma denúncia às secretas portuguesa­s com participaç­ão da CIA, sobre um encontro entre Carvalhão e Pozdnyakov, na Eslovénia, o espião ficou sob vigilância.

O MP acusou também o russo, em paradeiro desconheci­do, e emitiu um mandando internacio­nal de detenção. Itália entregou Sergey a Moscovo, cerca de um mês depois da detenção. Desconhece-se qualquer protesto do governo português a Vladimir Putin, em relação a este caso.

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Frederico Carvalhão Gil, o espião condenado a sete anos de prisão

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