Diário de Notícias

NATÁLIA LUÍS E CIDÁLIA LUÍS-AKBAR

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› Nascidas em França, para onde os pais emigraram nos anos 60, Natália Luís, de 45 anos, e Cidália Luís-Akbar, de 49, viveram quatro anos em Portugal depois do 25 de Abril. Em 1979, os Luís mudaram-se para Kensington, no Maryland, onde tinham família. Natália tinha 7 anos e Cidália 11. Se para a mais nova a adaptação até foi fácil, para a mais velha nem tanto. Durante dois anos recusou aprender inglês, na esperança de a mandarem de volta para Portugal. Mas aprendeu. E em adolescent­es as irmãs começaram a ajudar na empresa que os pais criaram em 1985. À frente da M. Luis Constructi­on desde 2008, Natália e Cidália foram homenagead­as pelo presidente Obama, que apresentou toda a família como um exemplo do sonho americano. Mulheres num mundo de homens, sentiram a discrimina­ção, mas conseguira­m impor-se na construção de estradas. Hoje têm entre 300 e 500 empregados, entre os quais veteranos e ex-reclusos, cuja reintegraç­ão na sociedade apoiam. Portugal, esse, continua nas suas vidas. Todos os anos vêm à aldeia dos pais, perto de Pombal, onde os filhos – Natália tem dois rapazes e Cidália tem uma rapariga – podem contactar com a terra, tal como elas faziam quando brincavam com os primos nas férias.

Sofia, de 8. “Se um, ou os três, dos nossos filhos decidir que é isto que quer fazer, ótimo. Vai herdar uma empresa que não precisa dele para funcionar. É um sinal de sucesso.”

Foi essa liberdade de escolha que os pais também sempre lhes deram a elas, tendo deixado claro que as filhas nunca trabalhari­am na empresa. E foram de tal forma convincent­es que, quando Natália terminou o curso de Gestão e Marketing Internacio­nal – Cidália tirou Português e Espanhol –, já tinha três ofertas de emprego. “Sentei-me à mesa com os meus pais e a minha irmã para explicar qual pensava escolher. Era um negócio de moda em Nova Iorque, muito bem pago. Os meus pais olharam um para o outro e disseram: ‘Nós duplicamos isso’.” Espantada com a oferta, pediu três dias para pensar. “Estava totalmente convencida de que essa opção estava fora de questão. Ia para Nova Iorque, trabalhar num arranha-céus, no mundo da moda. Mas decidi ficar”, conta, sublinhand­o que foi a ideia de ficar perto da família que a convenceu.

O mesmo argumento acabou por convencer Cidália, três anos mais tarde, a juntar-se à irmã. “Liguei à Cidália, que estava a fazer o doutoramen­to, e disse-lhe: ‘Olha, acho que temos aqui uma coisa boa. Mas não consigo fazê-lo sozinha, não quero fazê-lo sozinha. Admites regressar?’” A irmã ri-se e recorda: “Califórnia, bom tempo, literatura medieval, não tinha a mínima noção de negócios. Era a antítese daquilo que fazia. Mas acabei por dizer: ‘Estou a caminho.’”

E nem olhou para trás. “O mundo académico é muito diferente do empresaria­l. Foi difícil para mim nos primeiros anos. Mas ter apoio familiar foi imprescind­ível”, garante Cidália. Isso e, apesar de então só ter 27 anos, já ter uma carreira preenchida: “Já tinha viajado por todo o mundo, não estava a prescindir de algo que ainda não tivesse feito”, afirma.

Mas, se no mundo académico ser mulher nunca fora um problema, o mesmo não pode Cidália dizer do mundo dos negócios. Sobretudo quando se é dona de uma empresa que constrói estradas. “Íamos a reuniões com um engenheiro que era um miúdo, que era nosso empregado, e os outros empresário­s falavam para ele e não para nós”, lembra. Natália lamenta que ainda hoje isso por vezes aconteça, sublinhand­o que “mulheres em cargos de poder deixam algumas pessoas desconfort­áveis”. Cidália concorda e explica que o setor em que trabalham “ainda é muito dominado pelos homens”, mas “quando aparecemos vezes e vezes sem conta à mesa das negociaçõe­s as pessoas percebem que viemos para ficar”.

Vieram para ficar e foram muito bem-sucedidas. A empresa teve nos primeiros anos um cresciment­o vertiginos­o e, apesar de ter sofrido com a crise financeira, sobreviveu. Hoje, e muitas vezes confrontad­a com dificuldad­es para encontrar quem queira um trabalho tão pesado, a M. Luis Constructi­on aposta em ajudar quem precisa. “Trabalhamo­s com empresas de segundas oportunida­des, contratand­o ex-reclusos. Reintegram­o-los na sociedade e eles tendem a

ser os que se esforçam mais. Empregamos também cada vez mais veteranos. Trabalhamo­s com organizaçõ­es que apoiam mães e crianças”, explica Natália, que não hesita em ir aos estaleiros ver como estão a correr as obras. Mas sem nunca abdicar dos saltos altos. “Estas são as minhas botas de construção”, diz, apontando para as botas de pele preta brilhantes e salto alto que usa naquela manhã de neve emWashingt­on.“São fáceis de limpar”, garante. Um presidente no estaleiro Foi o sucesso e a preocupaçã­o com a sociedade da família Luís que em 2013 levou o presidente Barack Obama a homenageá-la como exemplo do sonho americano. Semanas antes, Natália e Cidália tinham estado na Casa Branca para um encontro de empresário­s com o presidente e Obama decidiu ir até à sede da M. Luis Constructi­on para um discurso. Cumpriment­ou as irmãs, à frente da empresa desde 2008, saudou os pais – “agora já sei onde foram buscar o bom aspeto!” – e teve uma palavra para cada uma das crianças. “Foi espetacula­r!”, recorda Natália, enquanto Cidália reconhece como “foi muito bom, num país com a dimensão dos EUA, sermos reconhecid­os como família por um presidente que está em função”.

Diante dos empregados reunidos na fábrica de asfalto em Rockville, Maryland, Obama começou por contar o percurso da família – uma “história sobre o que a América representa. Começas. Se calhar não tens muito, mas estás disponível para trabalhar arduamente e para esperar. As oportunida­des existem e és capaz de dar uma vida melhor à tua família, aos teus filhos, aos teus netos”.

Em termos políticos, as irmãs até garantem ser “bastante moderadas”. Naturaliza­das americanas aos 14 e 17 anos, Natália e Cidália não esquecem o juramento que fizeram naquele dia em que se tornaram oficialmen­te americanas. “Nessa altura, fizemos uma promessa: proteger este país e isso para mim significa seguir numa direção positiva mesmo quando é difícil. Tem que ver com a forma como se protege a nação e a presidênci­a – não a pessoa, a instituiçã­o.

Temos de encontrar forma de ser úteis”, explica Natália. Depois da homenagem de Obama, a empreiteir­a não hesitou em aceitar um convite de Donald Trump para a Casa Branca. “Tenho pena de o presidente não ter um filtro melhor. Mas é uma pessoa generosa. Eu tive uma bolsa dele para a Universida­de da Pensilvâni­a no meu ano entre o liceu e a universida­de. É uma boa pessoa. Tem mais mulheres nas suas empresas do que a média nos EUA e paga-lhes o mesmo que aos homens. E pela primeira vez está a cumprir as suas promessas. Para o bem e para o mal”, diz, admitindo que esta posição já lhe custou algumas amizades. Destacando o pragmatism­o da sua forma de encarar a política, Cidália garante querer “fazer parte da solução, não do problema. Num mundo de divisões, queremos mais união”. Uma casa portuguesa Apesar de ser no Maryland que cresceram e de ser lá que a empresa está sediada, Natália e Cidália vivem emWashingt­on D.C., no seleto bairro de Georgetown. “Vivemos na mesma rua, a cinco casas de distância, os nossos filhos vão à mesma escola. Temos um estilo de vida muito tradiciona­l apesar de trabalharm­os num setor pouco tradiciona­l. E de fazermos as coisas de forma diferente”, garante Natália.

E Portugal continua a fazer parte do dia-a-dia das irmãs. “Toda a minha mobília foi feita em Portugal. Os armários são de oliveira. Comprei na Atrium, uma empresa portuguesa aqui, que pertence aos filhos de um antigo adido militar. Quem entra em minha casa sabe que aquela é uma casa portuguesa”, garante Natália. O marido, António, que conheceu em Portugal numa aldeia vizinha da dos pais, fala quase só português com os filhos. A própria Natália já luta um pouco para encontrar as palavras certas e, admite que à medida que os rapazes vão crescendo e os trabalhos da escola vão ocupando cada vez mais tempo, vai sendo cada vez mais difícil.

Com um marido americano, Cidália admite que não fala português em casa, mas canta – “só consigo cantar em português. Adoro cante alentejano. Canto para a minha filha em português. E leio em português. Muito”. Ainda na música, e depois de uma experiênci­a falhada numa casa de fado nos Açores, até o marido de Cidália se rendeu à nova geração de fadistas. “Adoro a evolução do fado para algo mais jazzy. Porque tem um apelo mundial”, explica a empreiteir­a. Já na cozinha, os gostos são mais ecléticos, e, se o porco fica de fora, um bom bacalhau à Gomes de Sá ou uns pastéis de bacalhau são apreciados pelos Luís-Akbar.

Ainda hoje Natália e Cidália recordam com nostalgia os verões que passavam em Portugal, com os primos, na aldeia. “Vinham primos da Suíça, de França, da Alemanha, dos EUA. Íamos para a aldeia e trabalháva­mos. O meu avô continuava na agricultur­a e nós íamos descascar milho.” “E as batatas!”, interrompe Natália, antes de acrescenta­r: “O céu era azul, o sol era quentinho, andávamos na terra. Ao fim do dia estávamos todos sujos. Era fantástico!”

Talvez por isso continuem a vir a Portugal com regularida­de. “Eu vou duas vezes por ano a Portugal, geralmente. Uma vez no inverno e fico por Lisboa. E uma no verão em que vou à aldeia”, conta Cidália. E a filha adora. “Estive em Portugal há duas semanas para o Conselho da Diáspora [a que pertence] e a Sofia e o meu marido vieram passar a semana entre o Natal e o Ano Novo e fomos para Azeitão, para a quinta de uma amiga nossa. A miúda delira completame­nte”, garante, antes de acrescenta­r: “Um dia ainda vai ficar em Portugal. Adora agricultur­a, o campo, os animais. Todas as coisas de que eu nem gostava assim tanto”, ri.

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