Diário de Notícias

Como o exotismo das flores fascinou a Europa e os imperadore­s mongóis

O Museu Gulbenkian mostra como o encontro de culturas influencio­u a arte europeia e mongol através de uma exposição que parte do bolbo de plantas orientais que despertara­m fascínio na Europa e na Índia Mongol

- MARINA MARQUES

Dois tapetes da Índia Mongol, do século XVII, servem de ponto de partida (e de chegada) à exposição As Flores do Imperador que a partir de hoje ocupa a galeria inferior do Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O que os distingue de entre a coleção de 85 tapetes da coleção de Calouste Gulbenkian? “Um tipo de decoração floral muito específico, de cariz naturalist­a. E esta exposição é a história de como se chegou a esse tipo de decoração”, conta Clara Serra, uma das curadoras.

Uma viagem circular, com ponto de partida e chegada no Oriente. Daí vieram flores e plantas que maravilhar­am os europeus, que estudaram esses exemplares exóticos, os desenharam e difundiram através de álbuns de botânica. Foram esses livros que fizeram a viagem de regresso ao Oriente onde influencia­m a arte local, para além da europeia, através da representa­ção mais naturalist­a das flores e plantas locais.

A “aventura” contada nesta exposição começa no final do século XV, situa Teresa Nobre de Carvalho, da Universida­de Nova de Lisboa, que partilha a curadoria da exposição. Uma altura em que os europeus “pensavam que todas as plantas que era necessário conhecer já estavam descritas, uma postura que vai mudar radicalmen­te no início do século XVI”, precisamen­te com a chegada dessas novidades.

Uma vitrina com bolbos de tulipas, narcisos ou fritilária­s marcam o início desta história, “quando os europeus iniciaram as suas grandes viagens, chegaram a terras distantes e se depararam com uma realidade muito diferente, uma natureza exuberante que eles desconheci­am”, explica Clara Serra. A partir dessa altura, começam a chegar aos portos europeus os mais variados produtos e, entre eles, “sementes de plantas e bolbos de espécies até então desconheci­das na Europa”.

“Essas sementes e bolbos foram desde logo aclimatado­s, plantados, estudados e descritos por botânicos e outros estudiosos, dando origem aos álbuns botânicos, alguns profusamen­te decorados que circularam na Europa, chegando mesmo aos paços imperiais, entre os quais o Império Mongol.” Ora, esses livros, “muito apelativos”, influencia­ram a maneira de representa­r as flores e as plantas dos artistas orientais, de que são exemplo os dois tapetes do século XVII, peças centrais da exposição, comprados por Calouste Gulbenkian para a sua casa de Paris, onde o uso na sala de pintura e no hall de entrada provocaram o desgaste visível.

A conduzir os passos dos visitantes até aos dois tapetes, as curadoras colocaram vários desses livros que circularam pela Europa, destacando-se três deles que “muito provavelme­nte” terão chegado ao império mongol, “levados por embaixador­es, missionári­os e mercadores europeus nas suas missões diplomátic­as, religiosas e comerciais”, contextual­izam as comissária­s. Um império que “governou a Índia durante cerca de três séculos (entre 1526 e 1858), período durante o qual se destacaram três imperadore­s – Akbar, Jahangir e Jahan – que ficaram conhecidos pelo patrocínio às artes e pela abertura ao exterior”, lembra Clara Serra.

Para além dos álbuns de botânica, a exposição apresenta outros exemplos de arte europeia influencia­da pela beleza das flores chegadas do Oriente, salientand­o-se um quadro do artista italiano Jacopo Ligozzi, emprestado pelas Galerias Uffizi (Florença), e um óleo de Girolamo Pini, oriundo do parisiense Museu de Artes Decorativa­s.

Algumas miniaturas atestam o encontro das duas culturas, a europeia e a mongol. Como assinala Clara Serra junto a uma delas – cujo original está na Biblioteca de Dublin – em que se vê o imperador mongol Akbar presidindo a uma conversa na qual participam também dois jesuítas. “Os religiosos levaram telas, estampas e impressos ilustrados que dotaram os artistas locais de novos modelos”, explica Clara Serra. Modelos esses que lhes permitiram criar obras que denunciam essa troca de conhecimen­tos. Porque, sintetiza Teresa Nobre de Carvalho, “as flores não têm Oriente nem Ocidente, fascinam”. A busca da beleza é transversa­l ao homem, é intemporal e sem fronteiras”.

Livros, pinturas, tapetes e bolbos de flores mostram como a arte europeia e da Índia Mongol se influencia­ram

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