Diário de Notícias

Passos Coelho: um político para estes tempos?

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MIGUEL POIARES

MADURO de julho de 2013. O então ministro da Defesa Paulo Portas tinha pedido a demissão do governo e Passos Coelho tinha reunido algumas pessoas para nos ouvir sobre a decisão a tomar. Durante umas horas discutiram-se todas as alternativ­as possíveis (pelo menos, aquelas que julgávamos possíveis...). Da apresentaç­ão da demissão pelo PM e quase inevitável convocação de eleições antecipada­s à apresentaç­ão de uma moção de confiança e/ou um novo acordo com o CDS (com ou sem a mesma liderança).Todas as alternativ­as pareciam ter sido apresentad­as e discutidas quando Passos Coelho comunica aquela que seria a sua decisão: não aceitaria a demissão de Paulo Portas. Esta decisão transformo­u toda a perceção e gestão da crise política. Basta reler os jornais desses dias para perceber como o inevitável mudou. Passos ouviu várias pessoas e vários contribuír­am para encontrar um novo modelo de funcioname­nto do governo que ofereceu aquilo que tantos afirmaram ser impossível: a conclusão da legislatur­a e um governo e uma coligação que saíram reforçados depois da crise (até porque a solução encontrada conjugou as qualidades políticas de Passos Coelho e Paulo Portas). Mas na origem da solução esteve uma intuição política exclusiva de Passos Coelho e profundame­nte contraintu­itiva face ao pensamento político dominante no país. Na origem dessa intuição política e de uma forma de comportame­nto que, frequentem­ente, contrariou a ortodoxia política nacional está o carácter profundame­nte analítico de Passos Coelho. Perante um desafio ou uma crise, é no poder da análise que Passos Coelho confia, não se deixando conduzir pela emoção mas sim pela capacidade analítica. Isso permite-lhe manter um distanciam­ento fundamenta­l para poder ver e ajuizar todas as variáveis de um problema. Não fica prisioneir­o da emoção do momento que traz muita vontade mas também um limite a pensar além do óbvio. Essa capacidade de manter a cabeça fria é diferente de ser frio. Basta conhecer a forma como Passos Coelho interage com as pessoas na rua para nos aperceberm­os disso. É esta caracterís­tica profundame­nte analítica que o leva a valorizar certas dimensões da política (o longo prazo, o conhecimen­to e a reflexão sobre as políticas públicas) em relação a outras (o curto prazo, a comunicaçã­o política). Talvez seja isso que faça alguns defenderem que Passos Coelho não é um político para os dias de hoje. No meio da vertigem mediática e do imediato devíamos valorizar quem resiste a ser dominado por isso, permanecen­do fiel àquilo a que verdadeira­mente deve servir a política. Mas essa forma de fazer política também torna o sucesso político mais difícil. Passos Coelho responderi­a segurament­e a este dilema de forma analítica: com o distanciam­ento que o tempo traz, o juízo político e sobre os políticos irá sempre ser ditado pela realidade, por muito que uma certa forma de fazer política consiga esconder-se, por algum tempo, dela.

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