Diário de Notícias

A outra luta no The Post

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Há quem diga, meio a sério meio a brincar, que há duas boas razões para o último filme de Steven Spielberg se chamar The Post e não The Times, mesmo que tenha sido o The NewYork Times o primeiro jornal a noticiar os documentos secretos sobre a Guerra doVietname: para justificar o piscar de olho do realizador a Alan J. Pakula no final e para ter Meryl Streep como atriz principal. Ora, um debate ontem na Universida­de de Évora, organizado pelo professor Helder Adegar Fonseca, acabou por realçar como em paralelo com a história principal, ou seja o arrojo do TheWashing­ton Post em publicar os Papéis do Pentágono, se evidencia também a afirmação de Katharine Graham contra os preconceit­os de género naqueles Estados Unidos de 1971 em que na Câmara dos Representa­ntes só se sentavam 15 mulheres e no Senado Margaret Chase Smith estava sozinha entre 99 homens.

Graham, cuja interpreta­ção valeu a Streep a 21.ª nomeação para os Óscares, começa por ser alguém que se levanta da mesa de jantar com as outras senhoras no momento de se falar de política e acaba a lembrar aos homens que é ela a patroa do The Washington Post e dá a ordem para se publicar os documentos que provocarão um primeiro abalo na autoconfia­nça de Richard Nixon. Quem conhece a história que já não cabe neste filme (mas que está em Os Homens do Presidente) saberá também como a mulher que foi preterida pelo pai como sucessora, e só assumiu a liderança da empresa depois da morte do marido, esteve no centro da denúncia do Watergate, que levou à demissão do presidente americano em 1974.

Depois do que ouvi no debate, em que participei assim como o crítico do DN João Lopes e a historiado­ra Maria Fátima Nunes, não me surpreende­rá que esta interpreta­ção de Streep, que tem sido um pouco desvaloriz­ada, lhe valha mesmo um quarto Óscar. Muitas Américas se podem contar num filme, sobretudo se for de alguém como Spielberg.

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