Zuma cede, sai “sob protesto e sem medo de nada”
Presidente sai após quase nove anos no poder e deverá agora ser substituído pelo novo líder do ANC Cyril Ramaphosa
PATRÍCIA VIEGAS Jacob Zuma demitiu-se ontem à noite do cargo de presidente da África do Sul, cedendo assim à pressão do seu próprio partido, o Congresso Nacional Africano (conhecido pela sigla ANC).
“Demito-me de presidente da República com efeitos imediatos”, disse o chefe do Estado, de 75 anos, numa declaração televisiva ao país ao final da noite de ontem.
Sublinhando não concordar com a decisão do ANC (no sentido de o substituir na presidência sul-africana pelo novo líder do partido Cyril Ramaphosa), Zuma referiu que sempre foi, porém, “um membro disciplinado da organização”. Prometendo continuar a servir o ANC e o povo da África do Sul da melhor forma possível, o presidente garantiu nada temer. “Não tenho medo de moções de censura ou de processos de destituição. São todos mecanismos legais que as pessoas deste país podem usar para tirar do poder um presidente.”
O anúncio de Zuma surgiu depois de, inicialmente, ter recusado o pedido de demissão. Em entrevista à televisão SABC, emitida durante a manhã, considerara estar “a ser tratado de forma injusta”. Zuma até aceitara sair, mas após um período de transição até junho. O ANC recusou tal ideia.
O partido quer Ramaphosa na chefia do Estado sul-africano. Diz que a disputa interna testemunhada nos últimos dias nada tem que ver com alegações de corrupção contra Jacob Zuma (uma vez que este nunca foi condenado), mas sim com o desejo de renovar o partido a tempo das eleições de 2019.
Face à resistência do presidente, o ANC ameaçara ontem alinhar com a oposição na votação de uma moção de censura contra Zuma. A moção deveria ser votada hoje no Parlamento sul-africano e era uma vez mais proposta pelo Combatentes pela Liberdade Económica, partido de Julius Malema. O ex-líder da Juventude do ANC foi acusado de incitar ao racismo contra os brancos e foi expulso precisamente por ordem de Zuma.
O Aliança Democrática, maior partido da oposição sul-africano, que desde 2015 tem o seu primeiro líder negro, Mmusi Maimane, também apoiava a censura a Zuma. Recentemente, Maimane disse: “A África do Sul não pode continuar no limbo enquanto as fações de Cyril Ramaphosa e Jacob Zuma continuam em guerra sobre as condições de saída do presidente.” Em nove anos de governo, Zuma enfrentou nove moções.
No discurso de 30 minutos que fez ontem aos sul-africanos garantiu não querer ser um fator de divisão na África do Sul. “Nenhuma vida deve perder-se em meu nome e nenhuma divisão deve ocorrer por minha causa no ANC”, disse sobre o histórico partido da luta contra o apartheid (cujo nome maior é Nelson Mandela).
A demissão do presidente, polígamo assumido e atualmente casado com quatro mulheres, aconteceu no mesmo dia em que foram feitas novas buscas e algumas detenções no âmbito da investigação à influência da família Gupta (milionários de origem indiana) sobre o Estado sul-africano. E as ligações desta a Jacob Zuma. Poderá não ter sido mera coincidência.
Demissão surgiu no dia em que houve buscas no âmbito da investigação à influência da família Gupta no Estado