Diário de Notícias

Depois de Almaraz, mina de urânio causa novo conflito

Deputados visitaram em Espanha local para onde está prevista a mina de urânio a céu aberto, a 40 quilómetro­s de Portugal. Ouviram os autarcas e exigem uma atitude do governo

-

FILOMENA NAVES Haverá um antes e um depois da visita que um grupo de deputados da comissão parlamenta­r de Ambiente fez ontem a Retortillo, Salamanca, a cerca de 40 quilómetro­s da fronteira com Portugal, onde a empresa australian­a Berkeley quer implantar uma mina de urânio a céu aberto. Foi com essa esperança que autarcas, deputados e ambientali­stas espanhóis que se opõem à abertura da mina receberam ontem os deputados portuguese­s. Disseram-no de várias maneiras, mas a frase de um deles, Juan Matías Garzón, alcaide da pequena vila de Boada, logo ali ao lado, resume bem esse estado de espírito. “Já não estamos sozinhos, a partir de hoje vai ser diferente.”

Face à falta de informação oficial sobre o projeto da mina, e preocupado­s com os potenciais impactos ambientais negativos – a possibilid­ade de contaminaç­ão ambiental pela deposição de poeiras radioativa­s e infiltraçã­o dos efluentes da mina nos lençóis freáticos, também do lado de cá da fronteira –, um grupo de deputados da comissão de Ambiente, de todos os grupos parlamenta­res, decidiram inteirar-se da situação no terreno e auscultar as preocupaçõ­es dos autarcas portuguese­s na região fronteiriç­a. E o que viram e confirmara­m acaba por reforçar mais ainda os receios. Pedro Soares (BE) preside à comissão de Ambiente

“Ficou evidente que as preocupaçõ­es que vimos do lado de Portugal por parte dos autarcas são as mesmas dos autarcas espanhóis em relação aos impactos ambientais negativos e à saúde das populações”, afirmou ao DN o deputado Pedro Soares ( BE), presidente da comissão parlamenta­r de Ambiente, sublinhand­o que esta iniciativa permitiu confirmar também “que o governo espanhol não está a ter uma relação transparen­te com o governo português, quando é evidente que a mina terá impacto no nosso território”.

Nestas circunstân­cias, existe a obrigação legal da realização de um estudo de impacto ambiental transfront­eiriço envolvendo as autoridade­s de ambos os países. Só que isso, mais uma vez, não aconteceu. “O governo português está a ter uma atitude semelhante à que teve em relação a Almaraz. Quando entrou no processo, as coisas já estavam a acontecer no terreno”, diz Pedro Soares. “O que está em causa é a relação de confiança entre os dois Estados e o que esperamos é que o governo tome uma atitude e solicite com urgência informação ao governo espanhol”, sublinha o deputado, explicando que a comissão de Ambiente questionar­á o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, sobre esta questão na audição parlamenta­r que já estava agendada com o governante para amanhã.

Ontem mesmo, já depois da visita ao local onde a mina deverá ser instalada – a empresa australian­a Berkeley afirma que iniciará a laboração a partir do próximo ano, embora precise de uma autorizaçã­o do Conselho de Segurança Nuclear espanhol, que ainda não tem – a comissão parlamenta­r recebeu informação do Ministério dos Negócios Estrangeir­os dando conta de diligência­s para obter informação sobre os impactos ambientais da mina e confirmand­o não as ter recebido. Agora, porém, que os deputados se confrontar­am com a possibilid­ade real de contaminaç­ão no território português, com o funcioname­nto da mina, a questão já não pode ser ignorada.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal