Diário de Notícias

Como o Kalistão ganhou destaque e ensombra ida de Trudeau à Índia

Primeiro-ministro Modi ainda não recebeu homólogo canadiano. Amanhã, este reúne-se com dirigente que acusou seu ministro da Defesa de simpatizar com separatist­as sikhs

- HELENA TECEDEIRO

Sem expressão na Índia de hoje, o movimento por um Kalistão independen­te parece estar a ressurgir no Canadá. Estão previstas nos próximos meses várias iniciativa­s pela diáspora sikh naquele país para apresentar um referendo à independên­cia do Punjab em 2020. Com o atentado organizado por extremista­s sikhs contra o voo 182 da Air India que em 1985 explodiu sobre a Irlanda, fazendo 325 mortos (268 dos quais canadianos), ainda na memória, a capa do semanário indiano Outlook de 12 de fevereiro, mostrando o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, de lenço laranja sikh na cabeça e com o título “Kalistan II: Made in Canada” só veio reforçar as tensões dias antes da chegada do chefe do governo de Otava à Índia.

É verdade que não faltaram fotos de Trudeau com a mulher, Sophie, e os filhos, Xavier, 10 anos, Ella-Grace, 9, e Hadrien, prestes a fazer 4, à saída do avião ou no Taj Mahal. Mas a verdade é que à sua espera no aeroporto de Nova Deli o primeiro-ministro canadiano não teve o homólogo indiano, Narendra Modi, ao contrário do que aconteceu recentemen­te com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Este foi inclusive recebido com um dos abraços apertados que já se tornaram imagem de marca do líder indiano. Mas Trudeau também não se deslocou para receber Modi quando este foi ao Canadá em 2015.

Em campanha no Karnataka, Modi não é o único líder indiano a ignorar Trudeau. Também foi notória a ausência do ministro-chefe do Uttar Pradesh, Yogi Adityanath, um nacionalis­ta hindu tal como o primeiro-ministro, durante a visita dos Trudeau ao Taj Mahal.

A prova de fogo para saber se o líder canadiano está mesmo a ser ignorado ou se são apenas coincidênc­ias chegará na amanhã, quando Trudeau visitar o Punjab indiano (existe também um Punjab no Paquistão), onde ontem o ministro chefe Amarinder Singh, ele próprio sikh, confirmou um encontro com o canadiano. Capitão do exército, herói da guerra indo-paquistane­sa de 1965, no ano passado Singh recusou receber o ministro da Defesa canadiano, Harjit Sajjan, acusando-o de simpatizar com o movimento do Kalistão e ser “anti-Índia”. Acusações que o ministro negou.

Sajjan é um dos quatro ministros sikhs no governo de Trudeau – símbolo do peso desta comunidade no Canadá. Apesar de serem menos de 2% dos 1300 milhões de indianos, os sikhs são um terço da diáspora indiana no Canadá – e 2% da população daquele país.

A religião sikh surge na viragem do século XV para o século XVI no subcontine­nte indiano e segue os ensinament­os do Guru Nanak. Hoje, tem cerca de 25 milhões de seguidores, com o Punjab a ser o único estado da Índia moderna onde são a maioria. Na altura da partição, em 1947, os sikhs tomaram maioritari­amente partido pela União Indiana, preferindo a liberdade religiosa da Índia de Jawaharlal Nehru a um Paquistão criado como pátria para os muçulmanos.

Esta fidelidade reflete-se não só no número de militares que dão às forças armadas indianas ao longo do anos, tendo mesmo dado um presidente – Giani Zail Singh – e até um primeiro-ministro – Manmohan Singh, o antecessor de Modi. Isso não impediu o nascimento do movimento separatist­a do Kalistão, que no início dos anos 1980 protagoniz­ou ataques terrorista­s como o que levou à queda do avião da Air India, o mais mortífero atentado até ao 11 de Setembro de 2001 nos EUA.

Em 1984, a primeira-ministra Indira Gandhi ordena a Operação Estrela Azul para desalojar os extremista­s refugiados no Templo Dourado de Amritsar, uma decisão cuja extrema violência desagradou muito à comunidade sikh na Índia e levou ao seu assassínio por dois guarda-costas sikhs, seis meses depois.

Hoje, se o movimento separatist­a sikh é virtualmen­te inexistent­e na Índia, no Canadá parece estar a ressurgir à distância. Um desafio para Trudeau, que tem por um lado de acalmar os receios das autoridade­s indianas, mas sem pôr em risco o voto da comunidade sikh canadiana nas eleições previstas para 2019. Nesse escrutínio, Trudeau terá como adversário Jagmeet Singh, a quem a Índia negou um visto em 2013. O novo líder do NDP, o terceiro maior partido canadiano, causou polémica ao afirmar que todos têm direito à “autodeterm­inação”, seja no Punjab, na Catalunha ou no Quebeque.

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Trudeau posou com a família no Taj Mahal, mas não teve a companhia do líder do Uttar Pradesh

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