APRENDER A APRENDER, DISSE ELE, EM VEZ DE MARRAR NAS SEBENTAS
Foi rápida e solene a cerimónia na Aula Magna de que Guterres saiu com a insígnia azul-clara da Universidade de Lisboa
Mais uma vez António Guterres comprovou os dotes de orador, no improviso em que agradeceu o doutoramento honoris causa com que a Universidade de Lisboa o distinguiu ontem. Desceu a escadaria para a Aula Magna sem o epitógio azul-claro (o colar de tecido com a medalha da instituição) que o identificou minutos depois como doutor da casa. Quando saiu, no ar pairavam as notas de Verdes Anos, de Carlos Paredes.
As primeiras palavras do novo doutor foram de gratidão pelo Instituto Superior Técnico, a escola que lhe deu, como repetiu depois, a capacidade de “aprender a aprender”. Foi este o grande princípio que o secretário-geral das Nações Unidas quis deixar aos mais novos – e aos menos novos responsáveis pelos diferentes níveis do sistema de educação. Mais do que “marrar na sebenta”, como alguns professores exigiam antes (1965-1971), é preciso aprender a aprender, porque “é imprevisível o que vai acontecer nas próximas décadas” e “os conteúdos que vão estudar estarão ultrapassados rapidamente”.
Tinha sido a Física – a “grande sedução intelectual” da sua vida – que o levara ao IST, para tornar-se investigador. Mas a realidade do país – a pobreza, a miséria, a injustiça – que conheceu na militância social foram a causa da sua “traição ao Técnico, a deixar a Física para me dedicar à política”. Foi a mesma preocupação que o levou em 1995, como primeiro-ministro, a chamar Mariano Gago, seu contemporâneo no Liceu Camões e no Técnico, para reformular a política de Ciência, e que presidiu à política de educação dos seus governos.
E porque “o poder só faz sentido pelo serviço”, decidiu dedicar-se à “ação política e humanitária ao nível global, o que o levou a ser nomeado alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (2005-2015) e depois a candidatar-se a secretário-geral das Nações Unidas, cargo que iniciou em janeiro de 2017.
Atento às inovações tecnológicas, Guterres não reage com catastrofismo às grandes questões da atualidade. Em primeiro lugar destaca as alterações climáticas que “correm mais depressa do que nós e são a maior ameaça para a nossa vida coletiva no planeta”. Apesar de reconhecer que “corremos o risco de perder esta corrida”, responde com “boas notícias” criadas pela engenharia, nomeadamente no crescente recurso às energias renováveis. “Há condições, se houver vontade política, para inverter esta situação dramática.”
Lançou um segundo alerta para o “dilema ético do ciberespaço” que radica na enorme rapidez a que a tecnologia evolui sem que exista um sistema regulatório. “A próxima guerra vai ser precedida de um maciço ciberataque com o objetivo de paralisar o inimigo”, previu. E propõe uma plataforma que reúna instituições internacionais, governos, a sociedade civil e, acima de tudo, “as mulheres e os homens da ciência” para que se trabalhe no sentido de regular as novas tecnologias. Chamou a atenção para as profundas mudanças na estrutura das profissões em resultado da aplicação da inteligência artificial. “Os estados têm de se preparar para fazer grandes investimentos na área científica.” E concluiu: “Já não vou viver essa transformação, mas se alguma coisa de muito bom aconteceu na minha vida, essa foi ter sido aluno do IST.”
O longo aplauso que acolheu estas palavras pôs de pé a audiência, em que se destacavam Jorge Sampaio, António Costa, Ferro Rodrigues, Manuel Heitor, deputados, responsáveis de instituições e o corpo diplomático acreditado em Lisboa. Também de pé estavam os ocupantes do anfiteatro, cheio de professores e alunos. Catarina Vaz Pinto e Teresa Guterres, a mulher e a irmã do novo doutor, estavam na primeira fila.
O elogio oficial foi feito pelo proponente do honoris causa, Arlindo Oliveira, presidente do IST, que realçou as qualidades intelectuais, humanas e políticas de Guterres. Recordou o momento em que o antigo aluno, distraído, provocou um curto-circuito que rebentou as instalações elétricas, bem como as sessões de amigos estudando em conjunto: “Uns, aflitos, a tentar resolver equações de Mecânica Quântica que ele solucionava passeando-se no sótão da sua casa.”
Marcelo Rebelo de Sousa destacou-o como “a personalidade mais qualificada da minha geração”, “inventivo e socialmente empenhado”. “É um português herdeiro da história e fazedor de história”.
A sessão terminou com música, com Luísa Amaro (guitarra portuguesa) e Paulo Sérgio Santos (piano) a interpretar obras de Carlos Paredes e Francisco Martins.