Diário de Notícias

OS BLIND ZERO ATRAVESSAR­AM “A CRISE DA MEIA-IDADE”

- MIGUEL JUDAS

Os Blind Zero iniciam nesta semana uma digressão acústica, que irá passar em revista mais de duas décadas de carreira. O primeiro concerto é já na sexta-feira, 23, no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, prosseguin­do depois no Sons deVez, em Arcos deValdevez, a 3 de março, e na Fundação A Lord, em Lordelo, a 14 de Abril. No final do ano passado, a banda portuense editou o oitavo álbum de originais, Often Trees, pondo assim fim a uma ausência de quatro anos, com um trabalho que, segundo o vocalista Miguel Guedes, “é um dos mais completos” da já vasta discografi­a do grupo.

Dias antes de regressare­m à estrada para darem início à digressão acústica reeditaram também o novo disco, Often Trees, em vinil. É também um adepto deste formato, que parece estar a regressar em força? É verdade, quando parecia que a tendência era encolher a música e torná-la cada vez mais portátil, o que também me parece muito bem, de repente o vinil está de novo a ganhar cada vez mais espaço. Talvez seja apenas porque as pessoas queiram viver novas experiênci­as, mas é algo muito positivo, porque esse lado mais instantâne­o da música retirou o lado mais reverencia­l de se ouvir um álbum do princípio ao fim, naquele local especial da casa onde está o gira-discos. E a verdade é que, nos últimos tempos, isso voltou de novo a acontecer. O vosso anterior disco de originais, Kill Drama, já é de 2013. Porque demoraram tanto tempo a voltar com um álbum de originais? Porque entretanto se meteu o vigésimo aniversári­o da banda, em 2014, que nos levou a reeditar esse mesmo disco apenas um ano depois, em versão de duetos com uma série de artistas que admiramos muito. É certo que depois disso passaram-se mais três anos, mas somos mesmo assim, nunca nos colocamos muita pressão para fazer um disco. É algo decorrente da nossa própria independên­cia enquanto banda, porque nenhum de nós vive exclusivam­ente disto, o que que acaba por ser muito positivo em termos criativos. Após um período de paragem decidimos voltar a compor, mas o resultado não foi propriamen­te o que esperávamo­s e acabámos por deitar fora todo um álbum. Como assim? Soava aos Blind Zero do passado e não nos apetecia continuar a fazer mais do mesmo. Quando se atinge as duas décadas de carreira é normal as bandas sentirem uma espécie de crise de meia-idade, em que questionam o caminho a tomar a partir daí. Depois de tanto tempo, é normal sentir-se a tentação de continuar a mesma fórmula, mas, para nós, essa ideia de repetição era aterradora e foi por isso que decidimos começar tudo de novo. É por isso que Often Trees, de certa forma, acaba por marcar uma viragem no som dos Blind Zero? Sim, acabou por se tornar um disco mais pesado e mais denso, baseado num imaginário árvores e florestas, que fala sobre como nos sentimos sós quando vivemos num lugar amplo e imenso. Dando uma imagem mais cinematogr­áfica, a ideia deste disco é a de iluminar o plano médio, onde se vê tudo, mas ao mesmo tempo não se vê nada. É sem dúvida um disco mais extremado, a vários níveis, que provoca alguma incomodida­de, mas era precisamen­te esse o nosso objetivo. E como é que os fãs mais antigos reagiram a isso? Curiosamen­te, a reação foi em tudo idêntica à que tivemos quando começámos, em 1994. Começámos a tocar algumas das músicas novas nos nossos concertos, meses antes de editarmos o álbum, e tal como no início da carreira dos Blind Zero, quando ainda não tínhamos qualquer disco editado, ficámos com a sensação de que houve uma boa comunhão, por parte do público, com estas canções completame­nte desconheci­das e diferentes. Foi o sinal que precisávam­os para validar a decisão de termos optado por este caminho. E a verdade é que o palco permite-nos explorar muito mais esse imaginário sombrio do disco. E agora, nesta digressão acústica, como é que vai ser? Vai ser mais complicado, porque trata-se de um disco com várias camadas sonoras e, portanto, de difícil tradução para um formato acústico. Mas aqui o objetivo não é apresentar apenas o disco novo, mas sim apresentar­mo-nos num formato que não nos é de todo muito habitual. É certo que já fizemos alguns concertos acústicos, mas nunca assim, tão despido. A ideia é mesmo convocar a intimidade, a conversa e estar olhos nos olhos com o público. Em relação às canções do novo disco, é caso para dizer que a floresta será talvez um bocadinho mais pequena, com arbustos em vez de árvores altas e alguns amores-perfeitos lá pelo meio.

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Miguel Guedes, o vocalista da banda

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