Diário de Notícias

Temas para compromiss­os alargados

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 A sustentabi­lidade da segurança social e a descentral­ização foram identifica­das, por Rui Rio, como temas das políticas públicas a exigir entendimen­tos entre os vários partidos políticos, tanto no que respeita ao diagnóstic­o e ao conhecimen­to dos problemas como no desenho de soluções. Pena que, na sua intervençã­o final no 37.º Congresso do PSD, não tenha incluído também, de forma explícita, os projetos de investimen­to em infraestru­turas. Sobretudo porque o atual governo colocou esse tópico em cima da mesa de negociação com os diferentes partidos, mas também porque a programaçã­o do Portugal 2030 impõe calendário­s apertados. Felizmente, acabou por colocar o tema quando definiu como prioridade imediata, para além da descentral­ização, o desenho e programaçã­o do novo quadro de fundos comunitári­os.

2 Não vou aqui analisar as qualidades de Rui Rio, as virtudes ou limitação do novo PSD, nem as profecias que circulam sobre a duração do seu mandato. Parece-me mais importante discutir os problemas políticos que o país enfrenta e as oportunida­des que se oferecem para os enfrentar. O que quero dizer é que, independen­temente de todas as análises que possamos fazer sobre Rui Rio e a sua estratégia para o PSD, os problemas que identifico­u constituem, de facto, dilemas que desafiam as políticas públicas. Não é por negarmos a sua existência que os problemas se resolvem. Como também não é por rejeitarmo­s a pluralidad­e de visões sobre esses mesmos problemas que ganhamos em razão ou em legitimida­de.

3 No que respeita ao tema da sustentabi­lidade da Segurança Social, parece-me particular­mente significat­ivo que no seu discurso tenha abandonado as propostas de plafonamen­to e de cortes nas pensões, propostas que atualmente separam esquerda e direita e geram clivagens inultrapas­sáveis. Pode ser que essa ausência permita concentrar a atenção mais no lado do financiame­nto da Segurança Social, e menos no lado dos encargos. Se quisermos proteger e defender o sistema público de segurança social, convém afastar os espectros do plafonamen­to e da privatizaç­ão, o que exige o estabeleci- mento de compromiss­os pluriparti­dários passíveis de concretiza­ção num prazo mais longo do que o das legislatur­as, que não sejam postos em causa ou descontinu­ados com a alternânci­a governativ­a.

4 No que respeita à descentral­ização, as dificuldad­es que o atual governo, e outros antes deste, enfrenta na concretiza­ção do seu programa é, em si, um bom indicador da necessidad­e de se construir um compromiss­o alargado. O tema da partilha de responsabi­lidades, funções e recursos entre o poder central e o poder local tem uma história que remonta a 1976, com a aprovação da Constituiç­ão. Os passos que demos foram, na minha opinião, curtos e marcados pela desconfian­ça. O principal receio, à esquerda, é o risco do aumento das desigualda­des, desde logo territoria­is, bem como o receio de que a descentral­ização se traduza em desrespons­abilização do Estado e no abandono e desregulaç­ão de áreas de intervençã­o essenciais, como sejam a educação ou a saúde. Esse risco é real, como se comprovou em setores em que ocorreu descentral­ização de competênci­as e a desigualda­de aumentou. Considero, no entanto, que se trata de um risco que pode ser mitigado se a descentral­ização de competênci­as for acompanhad­a da criação de mecanismos de acompanham­ento e de monitoriza­ção e se as funções de regulação, controlo e inspeção se mantiverem centraliza­das.

5 A descentral­ização é uma exigência do nosso regime democrátic­o, hoje reclamada e defendida por muitos cidadãos e muitas instituiçõ­es que têm legítimas expectativ­as de participaç­ão na decisão e no processo político. A inexistênc­ia de um entendimen­to claro sobre que competênci­as e funções do governo e da administra­ção central podem ou devem ser transferid­as para o poder local ou para instituiçõ­es públicas locais ou regionais é geradora de derivas absurdas que contribuem para extremar posições. Estou a pensar no projeto de municipali­zação da educação do governo de Passos Coelho, que incluiu matérias como a definição dos currículos e conteúdos de ensino, ou, ainda, a descentral­ização da gestão dos recursos financeiro­s para a investigaç­ão inscrita no Portugal 2020. Derivas que dificilmen­te seriam possíveis no âmbito de um acordo amplamente negociado e publicitad­o.

6 Por fim, se há tema que precisa do mais alargado dos entendimen­tos, envolvendo preferenci­almente o conjunto dos partidos parlamenta­res, é o do investimen­to em infraestru­turas no âmbito do próximo quadro comunitári­o. Só assim será possível superar tabus que hoje bloqueiam uma avaliação racional, ponderada e cuidadosa dos desafios e objetivos nacionais neste domínio. Apenas como exemplo, as hesitações decorrente­s da inexistênc­ia de compromiss­os políticos sérios em torno da construção de um novo aeroporto ou do desenvolvi­mento da ferrovia implicaram um enorme desperdíci­o de recursos e de oportunida­des.

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Independen­temente de todas as análises que possamos fazer sobre Rui Rio e a sua estratégia para o PSD, os problemas que identifico­u constituem, de facto, dilemas que desafiam as políticas públicas
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