Temas para compromissos alargados
1 A sustentabilidade da segurança social e a descentralização foram identificadas, por Rui Rio, como temas das políticas públicas a exigir entendimentos entre os vários partidos políticos, tanto no que respeita ao diagnóstico e ao conhecimento dos problemas como no desenho de soluções. Pena que, na sua intervenção final no 37.º Congresso do PSD, não tenha incluído também, de forma explícita, os projetos de investimento em infraestruturas. Sobretudo porque o atual governo colocou esse tópico em cima da mesa de negociação com os diferentes partidos, mas também porque a programação do Portugal 2030 impõe calendários apertados. Felizmente, acabou por colocar o tema quando definiu como prioridade imediata, para além da descentralização, o desenho e programação do novo quadro de fundos comunitários.
2 Não vou aqui analisar as qualidades de Rui Rio, as virtudes ou limitação do novo PSD, nem as profecias que circulam sobre a duração do seu mandato. Parece-me mais importante discutir os problemas políticos que o país enfrenta e as oportunidades que se oferecem para os enfrentar. O que quero dizer é que, independentemente de todas as análises que possamos fazer sobre Rui Rio e a sua estratégia para o PSD, os problemas que identificou constituem, de facto, dilemas que desafiam as políticas públicas. Não é por negarmos a sua existência que os problemas se resolvem. Como também não é por rejeitarmos a pluralidade de visões sobre esses mesmos problemas que ganhamos em razão ou em legitimidade.
3 No que respeita ao tema da sustentabilidade da Segurança Social, parece-me particularmente significativo que no seu discurso tenha abandonado as propostas de plafonamento e de cortes nas pensões, propostas que atualmente separam esquerda e direita e geram clivagens inultrapassáveis. Pode ser que essa ausência permita concentrar a atenção mais no lado do financiamento da Segurança Social, e menos no lado dos encargos. Se quisermos proteger e defender o sistema público de segurança social, convém afastar os espectros do plafonamento e da privatização, o que exige o estabeleci- mento de compromissos pluripartidários passíveis de concretização num prazo mais longo do que o das legislaturas, que não sejam postos em causa ou descontinuados com a alternância governativa.
4 No que respeita à descentralização, as dificuldades que o atual governo, e outros antes deste, enfrenta na concretização do seu programa é, em si, um bom indicador da necessidade de se construir um compromisso alargado. O tema da partilha de responsabilidades, funções e recursos entre o poder central e o poder local tem uma história que remonta a 1976, com a aprovação da Constituição. Os passos que demos foram, na minha opinião, curtos e marcados pela desconfiança. O principal receio, à esquerda, é o risco do aumento das desigualdades, desde logo territoriais, bem como o receio de que a descentralização se traduza em desresponsabilização do Estado e no abandono e desregulação de áreas de intervenção essenciais, como sejam a educação ou a saúde. Esse risco é real, como se comprovou em setores em que ocorreu descentralização de competências e a desigualdade aumentou. Considero, no entanto, que se trata de um risco que pode ser mitigado se a descentralização de competências for acompanhada da criação de mecanismos de acompanhamento e de monitorização e se as funções de regulação, controlo e inspeção se mantiverem centralizadas.
5 A descentralização é uma exigência do nosso regime democrático, hoje reclamada e defendida por muitos cidadãos e muitas instituições que têm legítimas expectativas de participação na decisão e no processo político. A inexistência de um entendimento claro sobre que competências e funções do governo e da administração central podem ou devem ser transferidas para o poder local ou para instituições públicas locais ou regionais é geradora de derivas absurdas que contribuem para extremar posições. Estou a pensar no projeto de municipalização da educação do governo de Passos Coelho, que incluiu matérias como a definição dos currículos e conteúdos de ensino, ou, ainda, a descentralização da gestão dos recursos financeiros para a investigação inscrita no Portugal 2020. Derivas que dificilmente seriam possíveis no âmbito de um acordo amplamente negociado e publicitado.
6 Por fim, se há tema que precisa do mais alargado dos entendimentos, envolvendo preferencialmente o conjunto dos partidos parlamentares, é o do investimento em infraestruturas no âmbito do próximo quadro comunitário. Só assim será possível superar tabus que hoje bloqueiam uma avaliação racional, ponderada e cuidadosa dos desafios e objetivos nacionais neste domínio. Apenas como exemplo, as hesitações decorrentes da inexistência de compromissos políticos sérios em torno da construção de um novo aeroporto ou do desenvolvimento da ferrovia implicaram um enorme desperdício de recursos e de oportunidades.