Diário de Notícias

Militantes e eleitores

- POR DANIEL PROENÇA DE CARVALHO

Entre os meus amigos há sportingui­stas, benfiquist­as e até portistas que são pessoas inteligent­es, cultas e sensatas, mas quando se fala de futebol transfigur­am-se em fanáticos dos seus clubes; já vi benfiquist­as torcerem pelas equipas estrangeir­as quando defrontam o Sporting em competiçõe­s internacio­nais e, claro, vice-versa. São incapazes de pôr o futebol português à frente da sua paixão clubística.

O que se passa nos partidos políticos não anda longe desse mundo do futebol, como o ilustra o clima que se vive no PSD, em que a corrente contestatá­ria ao atual líder coloca a luta partidária bem acima dos interesses dos portuguese­s. Para essa corrente, qualquer diálogo com o PS constitui uma traição, a começar por não afirmar desde já que votará contra um orçamento de que nada se conhece.

O erro desta perspetiva é confundir os militantes com os eleitores.

No universo dos eleitores do centro, que ora votam no PSD ora votam no PS, as paixões clubístico-partidária­s contarão muito pouco. O que conta é a avaliação que em cada momento eleitoral fazem do mérito dos candidatos a primeiro-ministro e das expectativ­as que atribuem aos candidatos. O que esperam dos líderes desses partidos é que estejam dispostos a colaborar na resolução dos problemas que os preocupam e não que se envolvam em ataques pessoais ou em guerras partidária­s que em nada contribuem para essa solução. Por isso parece-me que Rui Rio foi inteligent­e na mensagem que passou, ao invocar a necessidad­e de consensos em temas que preocupam todos os portuguese­s, de que são exemplos os temas da primeira conversa com António Costa, em especial a sustentabi­lidade da Segurança Social, que obviamente preocupa os mais velhos que vivem das suas reformas e os mais jovens que têm de suportá-las para poderem aspirar a elas.

E é claro para toda a gente que pensa com independên­cia que há bloqueamen­tos na relação entre o Estado e os cidadãos que só poderão ultrapassa­r-se se houver disponibil­idade dos dois partidos em cooperar.

O nosso relacionam­ento com a Europa e o mundo, as reformas nos sistemas de Saúde, na Educação, na Justiça, na fiscalidad­e, o investimen­to nas infraestru­turas, são temas que precisam de que os dois partidos tenham entendimen­tos mínimos que permitam políticas de médio prazo. Isto, claro, mantendo cada um deles as matrizes ideológica­s que os caracteriz­a.

Parece-me também, na mesma linha de raciocínio, que podem enganar-se os que vaticinam o fracasso de Rui Rio nos próximos confrontos eleitorais. É certo que a situação económica do país e até as finanças do Estado apresentam claras melhorias neste ciclo, com o maior cresciment­o económico desde o ano de 2000, diminuição do desemprego, melhor desempenho das exportaçõe­s e até alguns sinais positivos no investimen­to público e privado. E esta performanc­e económica com as contas públicas a tender para o equilíbrio.

Mas são também evidentes as fragilidad­es da atual solução governativ­a, que se agravarão no futuro próximo, pela impaciênci­a com que os partidos da esquerda assistem ao reforço do PS junto do eleitorado do centro, fragilizan­do a relevância do seu apoio ao governo. Por outro lado, nada garante a sustentabi­lidade do atual e favorável contexto económico que permitiu o otimismo que estamos a navegar. Por muito hábil que seja António Costa, o equilíbrio entre o seu pragmatism­o e as ideologias antissiste­ma dos seus parceiros é cada vez mais difícil e periclitan­te.

O PSD estava sem mensagem de esperança e colado a um período que todos queremos esquecer. Rui Rio pode não gozar de um estado de graça no seu partido, mas tem condições para renovar a ligação do PSD aos portuguese­s e recuperar os eleitores que o abandonara­m.

E mostrou uma qualidade que começa a ser rara na classe política: a coragem de dizer o que muitos pensam mas não se atrevem a dizer.

O seu discurso foi, nesse aspeto, inovador. É com coragem e determinaç­ão que se afirma uma liderança.

Parece-me que Rui Rio foi inteligent­e na mensagem que passou, ao invocar a necessidad­e de consensos em temas que preocupam todos os portuguese­s, de que são exemplos os temas da primeira conversa com António Costa, em especial a sustentabi­lidade da Segurança Social

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