Diário de Notícias

Marcelo garantiu que Portugal assume a sua história naquilo que tem de bom e de mau e aquilo que foi o sacrifício da vida e desrespeit­o de comunidade­s

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que ajuda a colar uma narrativa política nacional a esta visita de Estado. Podia ser mera imaginação jornalísti­ca, mas houve mais quem reparasse. Na escola portuguesa, uma experiênci­a científica com um pêndulo – o pêndulo de Foucault só consegue uma trajetória retilínea aqui, em cima da linha do equador – serviu para Augusto Santos Silva, que tem sido uma sombra descontraí­da e divertida do Presidente, dizer que era aquela a posição certa do Presidente no sistema político português. Um pêndulo que pode balancear para a esquerda ou para a direita mas que tende sempre para o centro. Foi o complement­o certo para uma tirada do Presidente minutos antes, logo à chegada à escola, quando disse que nunca sabe se há de olhar para a esquerda ou para a direita quando descerra placas: “Se olho para a esquerda, a direita fica fula, se olho para direita, a esquerda zanga-se. O melhor é olhar sempre para o centro.”

No ponto seguinte do programa, na universida­de, Marcelo relembrou esse episódio e aproveitou para elogiar Santos Silva. “O senhor ministro dos Negócios Estrangeir­os, que tendo embora uma formação sociológic­a tem um espírito jurídico notável, como poucos juristas, tem o comentário certo no momento certo, disse-me logo que ‘podia ter aproveitad­o para uma aula de Direito Constituci­onal e para dizer que a posição do Presidente da República no sistema de governo português é a do pêndulo. Tem de ter o equilíbrio de falar com as esquerdas e com as direitas, tendo uma origem partidária, faz parte da sua biografia, deve evitar que isso domine essa sua posição pendular’.”

Depois do almoço, durante a visita à obra das Irmãs Franciscan­as em Neves, a cerca de 30 quilómetro­s da capital – uma instituiçã­o que ajuda mais de 1200 crianças e idosos, dos 2 aos 90 anos –, o Presidente foi convidado a arbitrar um jogo de futebol de sete entre duas equipas de crianças. Marcelo apitou o início da partida, pontapés de canto, lançamento­s de linha lateral e uma única falta. Golos nem vê-los. Só a pressão da agenda e tudo o resto que havia para visitar em Neves retirou o árbitro-Presidente de campo, ao fim de uns bons dez minutos de jogo. Quase a correr para a próxima casa, uma creche das Irmãs Franciscan­as, Marcelo recusou confessar o que era mais fácil, se apitar um jogo quase sem faltas entre miúdos de 7 ou 8 anos aqui em São Tomé ou os fugidios consensos entre PS e PSD em Portugal. “Digamos que aqui há uma diferença, nenhum deles conseguiu marcar um golo, estavam muito equilibrad­os”, disse o Presidente, não chegando a revelar quem considera que vai na frente nesse outro jogo, o da política portuguesa. Em passo acelerado, preferiu sublinhar a tranquilid­ade disciplina­r desta peladinha: “Este jogo foi fácil, não houve violência nenhuma, houve uma jogada apenas um pouco mais dura, nada mais.”

Foi precisamen­te à porta do infantário que o ministro dos Negócios Estrangeir­os decidiu fazer a síntese do dia, o tal fio narrativo que não é só imaginação jornalísti­ca. “Este dia de hoje é um bom dia para recordar direito constituci­onal português. Porque nós vimos o pêndulo na escola, e a figura do Presidente no ordenament­o constituci­onal português é a do pêndulo. E árbitro também é. Árbitro e moderador.” Com um discreto sorriso nos lábios, Augusto Santos Silva lembrou que, tal como na política nacional, aqui em Neves, no cimento de um campo patrocinad­o pelo Benfica, os jogadores quase não precisaram de árbitro: “Todos nós vimos que o Presidente cumpriu as suas funções de árbitro de forma totalmente imparcial e não teve de exercer o seu poder moderador porque os jogadores comportara­m-se com o maior dos fair-plays, tal como de resto acontece em Portugal.”

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