Diário de Notícias

Jornais centenário­s

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Agrande novidade do DN, quando nasceu em 1864, foi despartida­rizar o jornalismo português, relembrou ontem António Valdemar, numa conferênci­a sobre jornais centenário­s organizada pela Assembleia da República. Claro que o chamado primeiro jornal moderno português também introduziu o pequeno anúncio, como acrescento­u António Valdemar, com quem trabalhei muitos anos ainda no edifício do DN na Avenida da Liberdade, mas a tentativa de um jornalismo mais noticioso e menos panfletári­o foi o grande esforço de Eduardo Coelho, o nosso fundador.

Falou-se também de outros admiráveis jornais centenário­s, como o Açoriano Oriental, decano da imprensa portuguesa, e d’O Aurora do Lima, nove anos mais antigo do que o DN, mas é o diário no qual escrevo, nascido no Bairro Alto mas hoje nas Torres de Lisboa, que por ser nacional mais bem exemplific­a essa despartida­rização que depois do 25 de Abril acabou por impor-se como a regra no jornalismo português, incluindo rádios e televisões. Quantas vezes já me perguntara­m jornalista­s e diplomatas estrangeir­os a que área política pertence o jornal e a minha resposta é sempre: nenhuma, veja-se a cobertura noticiosa, veja-se os colunistas. E já ri ao ver uma prestigiad­a publicação britânica classifica­r-nos de “liberal-conservati­ve”, seja o que isso for.

Este esforço de independên­cia que cada redação tenta em Portugal até pode ter mais que ver com a memória da ditadura salazarist­a do que com o ambiente da monarquia constituci­onal que viu nascer o DN, mas é um valor a defender numa hora em que se extremam posições ideológica­s e cada um parece só querer ler quem lhe diz exatamente o mesmo que ele pensa.

Ainda bem, pois, que se falou de jornais ontem na Assembleia da República. A democracia precisa deles, dos que são espaço de liberdade e de pluralismo. E ainda bem que ainda são muitos em Portugal, outro igualmente centenário e até do mesmo grupo do DN – o Jornal de Notícias, sediado no Porto. Mas está na hora de o poder político pensar como se protege e valoriza a imprensa de qualidade, que, com a chegada do digital, ironicamen­te nunca foi tão lida mas também nunca esteve tão em crise, aqui e lá fora.

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