Marcelo acerta contas com a história em São Tomé
A história do massacre de centenas de são-tomenses há 65 anos foi escondida pelo regime em Lisboa, mas ontem foi plenamente assumida pelo Presidente da República
PAULO TAVARES Não é um pedido de desculpas, mas um assumir de responsabilidades, de culpa, no fundo, pelo massacre de pelo menos 400 são-tomenses, a 3 de fevereiro de 1953, num campo de prisioneiros junto à praia de Fernão Dias.
Foi junto ao mar, no monumento que evoca as vítimas – há cerca de 400 nomes inscritos em seis placas de metal viradas para o mar, mas relatos de testemunhas da época falam em mais de um milhar de vítimas em diferentes zonas da ilha –, que Marcelo Rebelo de Sousa depositou uma coroa de flores e fez um minuto de silêncio com o ministro da Cultura são-tomense ao lado.
O monumento imita em betão o movimento das ondas do mar, onde os são-tomenses acreditam que foram parar alguns dos desaparecidos há 65 anos. A história, escondida pelo regime em Lisboa e nunca verdadeiramente assumida por Portugal, foi ontem plenamente assumida por Marcelo, o primeiro Presidente português a visitar o local e a falar do tema. “Vim aqui homenagear todos aqueles que lutaram pela liberdade e em particular todos os que morreram pela liberdade faz agora precisamente 65 anos.”
Adotando um tom semelhante ao que já tinha usado durante um jantar oferecido pelo Presidente de São Tomé e Príncipe, no primeiro dia da visita, Marcelo foi o mais claro possível. “Portugal assume a sua história naquilo que tem de bom e de mau e assume, nomeadamente, neste instante e neste memorial aquilo que foi o sacrifício da vida e o desrespeito da dignidade de pessoas e comunidades. Assume essa responsabilidade olhando para o passado, mas ao mesmo tempo para o presente e o futuro.”
Terminada a declaração, curta, no topo do monumento, começaram os cânticos de um grupo local, chamando o Presidente para a festa. Quase como um sinal de que a dor, pedra no sapato das relações entre os dois países, tinha ficado ali resolvida.
Estava recuperado o tom de um dia que tinha começado em festa na escola portuguesa e que terminou com uma festa, propriamente dita, na chancelaria da embaixada, O Presidente português prestou ontem homenagem aos 400 são-tomenses massacrados num campo de prisioneiros junto à praia de Fernão Dias com a comunidade portuguesa. Pelo meio ficou uma passagem pela universidade, com perguntas de estudantes que aproveitaram a presença de Marcelo para tentar, em vão, uma resposta que comprometesse o Presidente. O país atravessa uma crise institucional, com Presidente, governo e Parlamento de um lado e Supremo Tribunal e oposição do outro, mas Marcelo esgueirou-se entre as perguntas, invocando a qualidade de Chefe de Estado estrangeiro de visita a um país amigo, aqui e acolá. O dia ficou ainda ligado por um fio