Guia mostra a luta de Souto de Moura pela beleza através de 74 projetos
Com mais arquitetos do que metros quadrados, a Galeria Millennium, em Lisboa, foi palco do lançamento do Guia de Arquitetura dedicado à obra construída em Portugal de Souto de Moura
No lançamento do catálogo raisonné da sua obra, o arquiteto criticou a lei que permite aos engenheiros assinar projetos.
Faltavam ainda uns bons 20 minutos para a hora marcada e à porta do 96 da lisboeta Rua Augusta o ajuntamento já chamava a atenção de quem passava, demorando-se os olhares curiosos pelas vidraças adentro da Galeria Millennium. E houve mesmo quem abrandasse o passo de regresso a casa para interpelar Eduardo Souto de Moura. “Encontrei um senhor aqui na rua que me veio agradecer por ser mais feliz. Perguntei-lhe se vivia numa casa minha. ‘Não, não, é que o ambiente fica melhor com as suas coisas’, respondeu-me. Fico impressionado”, contou o arquiteto, pouco antes da 19.00 de quinta-feira, durante o lançamento do guia de arquitetura Eduardo Souto de Moura Projetos Construídos.
Apesar (ou aproveitando) o momento festivo e a presença do ministro da Cultura, o arquiteto, vencedor em 2011 do Prémio Pritzker, a maior distinção internacional na área da arquitetura, decidiu tirar o elefante da sala e lembrar que “neste momento deve estar a ser votado o famoso decreto-lei que permite aos engenheiros assinar projetos de arquitetura”. “E, portanto, peço às entidades e aos arquitetos para que isso não aconteça. Não por que tenha alguma coisa contra os engenheiros, mas cada um no seu galho. Porque este país, um dos motivos por que está feio, é exatamente [por causa] da degradação da paisagem por essas obras assinadas por engenheiros. Fico preocupado. Não por mim, mas porque o país em si vai piorar.”
Luís Filipe Castro Mendes não fugiu à questão e deixou clara a sua posição e, sublinhou, a do primeiro-ministro António Costa: “Pessoalmente, entendemos que o papel do arquiteto é insubstituível, os arquitetos é que deviam assinar os projetos”, disse. Palavras que não pesaram na votação em São Bento com o projeto de lei a ser aprovado na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. Resta saber se terão na votação final, em plenário da Assembleia da República, ainda sem data marcada.
Foi também o governante quem decidiu trazer do “arquitetês” para o português a expressão diversas vezes referida como a soutomorização da paisagem: “Significa que há uma luta pela beleza no nosso espaço.”
Uma luta presente nos 762 projetos idealizados por Eduardo Souto de Moura, 612 para o território nacional, dos quais 347 nunca passaram do papel, numa contabilidade feita por Marta Sequeira, autora dos textos do guia, juntamente com Michel Toussaint. E é dessas mais de duas centenas e meia de projetos realizados em Portugal que foram escolhidos os 74 apresentados no guia, segundo de uma coleção da editora A+A Books iniciada em março do ano passado com Álvaro Siza, obra que vai já a caminho da terceira edição.
Em português e inglês, com coordenadas GPS e pequenas fichas que revelam alguns dados em torno da obra, desde as circunstâncias do encargo às viagens que precederam o projeto, até às alterações a posteriori, percorre o país, de Valença a Tavira, passando por São Miguel, nos Açores, evidenciando a diversidade dos projetos. Desde o primeiro que Souto de Moura assinou sozinho, em 1980, aos 28 anos, a recuperação de uma ruína no Gerês, até à Barragem de Foz Tua, uma das suas grandes obras mais recentes. E, se fosse necessário reduzir ainda mais a lista, Souto de Moura é rápido em assinalar sete obras como aquelas que “mais me marcaram”: “O Metro do Porto [2001], o Estádio do Braga [2004], a Casa de Moledo [1991], a Barragem do Tua [2014], a Casa da Arrábida [1994], a Torre do Burgo [2007] e a Casa das Histórias Paula Rego [2008].” Quanto a tipologias, Eduardo Souto de Moura é igualmente célere a eleger a sua preferida: “Gosto de fazer casas. Já fiz muitas, gosto. Gosto da ligação direta com o cliente, saber os gostos dele, que são diferentes do meu, fingir que sou o cliente, faço a casa para mim. Aliás, vivo numa casa que fiz para uma arquiteta e ela depois não foi viver para o Porto e fiquei eu lá.”
A duas semanas da atribuição do Prémio Pritzker deste ano, Souto de Moura revela ao DN quem gostaria que vencesse: “Acho que era justo dar ao [David] Chipperfield, é um arquiteto que tem feito muita obra e boa.”
Do guia nasce uma exposição
Para além do lançamento do guia, na quinta-feira foi também inaugurada a exposição Poesia Mineral, título que o artista Nuno Cera roubou a uma ideia expressa por Souto Moura numa entrevista. Com 18 fotografias e dois vídeos de Nuno Cera, não é a obra de Souto de Moura que se deve esperar encontrar, antes o olhar do artista sobre a obra de Souto de Moura. “Ao visitar a exposição, [as fotografias] levaram-me a querer saber quem é este arquiteto. É completamente diferente ver a minha obra [através das fotografias de Nuno Cera], fiquei impressionado, vi defeitos, vi qualidades e é para isso que servem estas exposições e estes catálogos”, disse Eduardo Souto de Moura, após visitar a exposição que pode ser visitada até 19 de maio na Galeria Millennium, em Lisboa. Palavras que Nuno Cera gostou de ouvir. “É como se houvesse um lado de revelação dos sítios porque, por várias circunstâncias, fiz fotografias mais fragmentadas e não do todo, pequenas parcelas dos edifícios. E acho que a surpresa vem daí, de não se mostrar o edifício todo”, confessou ao DN.