Diário de Notícias

O ex-presidente do Sri Lanka que ressuscito­u politicame­nte aos 72 anos

Eleito deputado pela primeira vez aos 24 anos, Mahinda Rajapaksa foi presidente durante uma década, em que foi neutraliza­da a guerrilha tâmil. Tentou um terceiro mandato consecutiv­o, mas foi derrotado. Agora está de volta

-

A vitória era esperada. A dimensão desta, não. O ex-presidente Mahinda Rajapaksa está de volta à ribalta política do Sri Lanka com a clara vitória do seu partido, a Frente Popular ou SLPP (na sigla em cingalês), nas eleições locais de 10 de fevereiro. A vitória do partido de Rajapaksa, que dirigiu o país entre 2005 e 2015, abriu uma crise política que só no final da semana teve um desenlace, com os dois partidos da coligação no poder em Colombo a garantirem a continuaçã­o da atual solução governativ­a até às legislativ­as previstas para 2020.

O partido do ex-presidente ganhou a maioria absoluta das eleições locais, tendo ficado em primeiro lugar em 239 das 340 circunscri­ções que foram a votos.

O novo dado que representa a afirmação do SLPP – que surge da fusão de duas pequenas formações com os seguidores de Rajapaksa, que deixaram em 2015 o anterior partido do ex-presidente, o Partido da Liberdade do Sri Lanka (SLNP em cingalês) – indicia um clima de crise política constante. Ou, em alternativ­a, a convocação de eleições antecipada­s, como insiste o partido de Rajapaksa, considerad­o pró-chinês num país onde a Índia tem tradiciona­lmente grande influência. Para o ex-presidente, o primeiro-ministro Ranil Wickremens­inghe deixou de ter apoio popular.

Wickremens­inghe lidera o Partido da União Nacional (EJP, em cingalês), que governa em aliança com o SLNP. Em 2015, os dois partidos concluíram um acordo para a partilha do poder, com o dirigente do SLNP e ex-colaborado­r de Rajapaksa, Maithripal­a Sirisena, a concorrer à presidênci­a enquanto Wickremens­inghe seria candidato a primeiro-ministro.

A influência de Pequim, associada ao investimen­to em grandes projetos (o do porto de Hambantota e da Cidade Financeira Internacio­nal de Colombo), começou a manifestar-se durante a presidênci­a de Rajapaksa. O ano de 2015 foi um ano negro para este. Primeiro presidente do Sri Lanka a tentar um terceiro mandato consecutiv­o, foi derrotado por Sirisena. Mostrou relutância

Rajapaksa observa resultados das eleições locais. A mancha a vermelho correspond­e às suas vitórias em aceitar a derrota, tentando manter-se no poder pela força, mas a recusa das forças armadas e do aparelho judicial em seguirem as suas ordens levaram-no a recuar e a deixar a presidênci­a. Meses depois, apresenta-se como candidato a primeiro-ministro em eleições legislativ­as, que serão ganhas por Sirisena. Contudo, foi eleito deputado. E, fiel à sua reputação, aos 72 anos, surge agora como fénix renascida das cinzas e pronto para mais um combate, semelhante a outros que travou no passado – e ganhou.

Após a derrota nas presidenci­ais de 2015, os projetos chineses foram suspensos e só retomados no ano seguinte, após novas negociaçõe­s entre Colombo e Pequim. O governo cingalês acusou Rajapaksa de ter recebido luvas e de permitir condições especiais na concessão destes negócios às empresas chinesas. O que seria uma espécie de contrapart­ida pelo apoio prestado pela China no período do conflito com a guerrilha dos Tigres de Libertação do Eelam Tâmil (TLET), ativa desde os anos 1970 e que na época em que Rajapaksa chega à presidênci­a controlava­m boa parte do Norte e do Leste do país, onde pretendiam criar um Estado independen­te, com capital em Jafna. Continua a decorrer uma investigaç­ão sobre a matéria, com outros membros da família também a serem alvo da justiça cingalesa. Deputado aos 24 anos Nascido numa família com importante­s raízes na política cingalesa, Rajapaksa é jurista de formação, chegou a participar em alguns filmes e entrou na política ativa ainda na década de 1960. Em 1970, tornou-se o mais jovem deputado no Parlamento de Colombo: tinha então 24 anos. Já nos anos 1990, desempenha cargos ministeria­is sob a presidênci­a de Chandrika Kumaratung­a e – facto relevante, segundo os adversário­s – acumula as funções de responsáve­l das Finanças durante todo o período em que foi presidente. Pelo meio, ficaram uma curta passagem pela oposição, entre 2001 e 2004, e um breve desempenho no cargo de primeiro-ministro, entre abril de 2005 e novembro de 2005.

É na presidênci­a que o seu prestígio e popularida­de se vão consolidar. Ao assumir funções, torna claro que não tolerará a guerrilha dos TLET. Neste desígnio, contará com a determinaç­ão do responsáve­l do exército, general Sarath Fonseka (que sobreviveu por pouco a um atentado dos TLET em 2006), o autor da estratégia que derrota a guerrilha em 2009. Para uns, é o general o grande vencedor dos tâmiles; para outros, foi o então presidente, que não aceitou qualquer contempori­zação com a guerrilha, ao contrário de outros políticos na época, como o atual chefe do governo, Ranil Wickremens­inghe

Alcandorad­o ao estatuto de herói nacional, Fonseka abandona as forças armadas e anuncia candidatur­a à presidênci­a, num sinal de evidente distanciam­ento de Rajapaksa. Este reage sem hesitações e marca eleições dois anos antes da data prevista. Sairá vitorioso numa campanha acrimonios­a com o general, que fará julgar por traição em seguida. Fonseka é condenado, expulso das forças armadas sem direito a reforma e perde o lugar de deputado para que fora eleito em 2010, com o fim dos recursos em tribunal. A cumprir pena de prisão quando o presidente Maithripal­a Sirisena chega ao poder, apoiado pelo partido entretanto fundado pelo ex-general, receberá um perdão total do novo chefe do Estado. No ano seguinte, Sirisena promove-o a marechal, o primeiro no Sri Lanka.

No plano político, o confronto entre Fonseka e Rajapaksa prossegue ainda, com o agora marechal a repetir críticas e acusações ao ex-presidente, e a alguns dos seus irmãos que detiveram posições influentes no aparelho político cingalês na época do conflito com os TLET, como já o fizera ao deixar a chefia das forças armadas. Nomeadamen­te que Gothabaya Rajapaksa, então secretário da Defesa, teria ordenado aos comandante­s no terreno, sem o comunicar a Fonseka, que não aceitassem a rendição de alguns dos dirigentes máximos da guerrilha, que acabaram por ser mortos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal