Diário de Notícias

Patriarcad­o vende casa onde morreu João de Deus

Associação João de Deus comprou imóvel, mas não se livrou do susto com anúncio de venda por parte da Igreja

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ANA BELA FERREIRA e FILOMENA NAVES É um prédio igual a tantos outros, na rua lateral à Basílica da Estrela. Quem passa mais atento, até pode reparar na discreta lápide sobre a porta, onde se lê que ali, no número 9, viveu João de Deus, entre 1888 e 1896 – os últimos oito anos da sua vida. Mas de fora, na rua que acabou por ganhar o nome do seu antigo e ilustre morador, não se adivinha a viagem no tempo que nos aguarda no primeiro andar, na Casa-Museu João de Deus. Era propriedad­e do Patriarcad­o, mas desde meados do mê que pertence oficialmen­te à Associação de Jardins-Escolas João de Deus, depois de ter sido apanhada de surpresa com o anúncio de intenção de venda feito pelo Patriarcad­o. A associação já tinha mostrado interesse, em 2008, em comprar o espaço onde viveu e morreu o educador. A venda não se concretizo­u por o edifício não estar totalmente regulariza­do e a associação ficou à espera de que a Igreja estivesse em condições de vender.

“Fiquei um bocadinho magoado, o Patriarcad­o sabia que estávamos interessad­os e podia ter logo falado connosco”, admitiu ao DN António Ponces de Carvalho, presidente da direção da associação e bisneto do homem a quem a casa-museu presta homenagem. Depois de conversaçõ­es, que começaram no final de 2017, o Patriarcad­o – que não quis comentar a venda – aceitou a oferta de compra feita pela associação.

António Ponces de Carvalho chegou a enviar um comunicado a pedir donativos para a compra do edifício – “não recebemos muitos donativos, mas tivemos alguma ajuda”. O objetivo é preservar – está a decorrer o processo de classifica­ção do imóvel como interesse nacional – o espaço onde foi condecorad­o pelo rei e onde viveu João de Deus.

Lá estão a mobília da época nas salas e no quarto, os cortinados, os quadros nas paredes, o relicário e as figuras religiosas, a pequena guitarra que ele ainda tocou amorosamen­te três dias antes de morrer. Tudo está praticamen­te como no tempo do poeta, artista e pedagogo que revolucion­ou em Portugal a aprendizag­em da leitura no século XIX e que levou a alfabetiza­ção gratuita às aldeias mais recônditas do país.

Sobe-se os dois lances das velhas escadas de madeira e, quando a porta se abre – a mesma pela qual João de Deus entrava diariament­e em casa, a mesma que o rei D. Carlos franqueou no dia 8 de março de 1895 para o condecorar com a Grande Cruz de Santiago –, é como se houvesse um túnel do tempo com passagem direta para a Lisboa do século XIX. E quase se sente este espaço habitado.

Na sala, logo à entrada, um livro com a fotografia de João de Deus na capa repousa sobre a mesa. “Aqui era originalme­nte o escritório dele, mas depois da sua morte a viúva passou a utilizá-lo para as aulas de alfabetiza­ção gratuitas que deu aqui até ao final da vida, continuand­o o trabalho do marido”, conta Elsa Rodrigues, documental­ista no Museu João de Deus, que guia os visitantes.

Dos nove quartos e salas que a casa tem ao todo, apenas cinco integram o espaço musealizad­o – as restantes servem ainda hoje de ha- 1. Sala à entrada da casa. Entre os vários objetos pessoais pode ver-se a guitarra que repousa no sofá e que João de Deus ainda tocou três dias antes de morrer 2. Associação recorreu à memória da neta para manter espaço igual à época em que aqui viveu João de Deus 3. Casa quase passa despercebi­da. Lápide na fachada é o único sinal

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