A história reescrita pela Marvel
JOÃO LOPES de “informação” (no cinema e não só) favorece um bizarro apagamento da complexidade das memórias históricas.
Não precisamos de recuar a um clássico como E Tudo o Vento Levou (1939) para recordar que a história das personagens afro-americanas não pode ser reduzida a uma qualquer visão panfletária, “pró” ou “contra”. Consagrada pela Academia de Hollywood como melhor atriz secundária, Hattie McDaniel foi mesmo, graças a E Tudo o Vento Levou, a primeira pessoa afro-americana a ser nomeada para, e a vencer, um Óscar.
Lembremos, por exemplo, o papel decisivo de um filme como Shaft (1971), de Gordon Parks, com Richard Roundtree a interpretar a figura de um detetive privado, tradicionalmente entregue apenas a atores brancos. Ou ainda o valor simbólico da carreira de Sidney Poitier, sobretudo a partir de Sementes de Violência (1955), de Richard Brooks, a par da emblemática filmografia de um cineasta como Spike Lee, desde Os Bons Amantes (1986). Isto sem esquecer que com Carmen Jones, protagonizado por Dorothy Dandridge, Otto Preminger assumiu o risco pioneiro de realizar um filme com um elenco totalmente negro – foi em 1954.
Dir-se-ia que, além de dominar o mercado, a Marvel está também apostada em reescrever a história de Hollywood e, no limite, dos afro-americanos na sociedade americana. Nem mesmo os artifícios do espetáculo podem legitimar tal irresponsabilidade.