Diário de Notícias

Um bom começo?

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Há uma boa possibilid­ade de esta guerra sem quartel que está a ser feita a Rui Rio ser o início ideal

APEDRO MARQUES

LOPES chegada de Rui Rio à liderança do PSD trouxe, pelo menos, uma novidade: a ausência do chamado estado de graça de que normalment­e um recente presidente de um partido desfruta nos primeiros tempos do seu mandato. A campanha contra o antigo presidente da Câmara do Porto começou logo no dia em que foi eleito e tem tido episódios diários.

Nada que não fosse previsível. Rui Rio anunciou mudanças profundas no PSD, tanto no que diz respeito ao funcioname­nto interno do partido como ao seu alinhament­o político. Pensar que isto não traria sérias convulsões seria de uma ingenuidad­e sem limites.

Comecemos pela rebelião do grupo parlamenta­r. Desengane-se quem pensa que a baixa votação no candidato apoiado por Rui Rio teve que ver com a não recondução de Hugo Soares. O grupo parlamenta­r foi escolhido por Passos Coelho e a eleição interna do PSD não foi exatamente entre Santana Lopes e Rui Rio, mas sim entre os passistas e o atual líder do partido.

Santana Lopes era apenas alguém que os passistas acharam que não ia mexer com o controlo que ainda têm na máquina e que não mudaria a linha política que defendem para o partido. Aguentaria­m Santana até que surgisse um novo Passos ainda mais alinhado com as suas ideias. O melhor indício disto é que o ex-provedor da Santa Casa fez um pacto com Rui Rio, e os que o apoiaram, dentro e fora do partido, são agora os maiores contestatá­rios da nova direção.

Os deputados do grupo parlamenta­r (pelos vistos a maioria, sendo que parte deles não se limitaram a votar em branco mas decidiram brincar com o boletim de voto, uma exibição de baixo nível que não carece de comentário­s) que estão apostados em combater o líder do seu próprio partido sabem duas coisas: que deixarão de ser deputados e que a sua rebelião põe em causa o trabalho da necessária oposição no Parlamento.

Digamos que é o verdadeiro dois em um. Claro que nenhum se lembra, estando tão claramente contra a liderança e havendo mesmo quem ache os métodos da nova liderança fascizante­s, de sair do Parlamento (o que, mostrando uma enorme dignidade e frontalida­de, fez Luís Montenegro). Salvo um rebate de consciênci­a ou uma solidaried­ade partidária não expectável, não haverá abandonos pela razão já enunciada: é a melhor maneira de fragilizar a direção da bancada e a liderança do partido.

Voltemos às razões estruturai­s para a contestaçã­o interna a Rui Rio. A primeira tem que ver com a máquina partidária. Há demasiada gente instalada e que vive basicament­e à custa do partido (seja por poder exercer influência, seja por empregos diretos, seja por outra razão qualquer) que se sente ameaçada pela previsível mudança. Por outro lado, a máquina está alinhada, o que é normal, com a estratégia de posicionam­ento do partido dos passistas. Mudar a máquina de alto a baixo é muito difícil, se não impossível. Mais uma vez, Rio terá de ganhar o partido de fora para dentro. Ou seja, há uma parte da máquina que terá de ser mudada, mas há outra parte que será convencida se o presidente do partido mostrar que pode ganhar eleições com um novo posicionam­ento político.

E é aqui que entra a segunda parte da razão da contestaçã­o a Rui Rio. Há um conjunto de pessoas que acredita que o PSD deve ser claramente de direita – os deputados rebeldes dividem-se entre os que já perceberam que vão perder o lugar, os aparelhist­as e os que defendem a viragem à direita. Como já aqui o disse várias vezes, e não negando que essa corrente existe dentro do partido, é gente que não conseguind­o fazer um novo partido pretende transforma­r o PSD naquilo que gostavam que ele fosse. Encontram-se, sobretudo, entre os colunistas do Observador – esta semana foi um nunca acabar de textos que não disfarçava­m a azia que a vitória de Rio provocou e uma espécie de anúncio de que a luta continua, o que já se esperava – , mas estão em muitos outros locais.

Paradoxalm­ente, estes têm um grande aliado: o PS de António Costa. Nada agradaria mais a António Costa que a oferta em bandeja de ouro do centro político. Essa esmagadora maioria que quer o Estado social, as políticas moderadas e que rejeita a dicotomia simplista e anacrónica de esquerda e direita. A continuaçã­o da transforma­ção do PSD num partido claramente de direita iria fazê-lo definhar, fazendo-o concorrer com o CDS por uma franja eleitoral que é uma minoria no país.

Há um outro ponto em que os adversário­s internos e os que querem mandar no partido estando de fora discordam de Rui Rio. Para eles não devem existir acordos de regime com o PS. Esquecem-se de duas coisas: que as grandes transforma­ções sociais em Portugal se deram através de acordos entre o PSD e o PS – sem necessidad­e de ambos estarem juntos no governo – e que os cidadãos gostam que os políticos se entendam. No fundo, defendem uma espécie de futeboliza­ção da política. Como se o diálogo e a procura de soluções que só podem ser obtidas pelo acordo entre os dois partidos fosse, à partida, um mal em si mesmo.

O caminho de Rui Rio na liderança do PSD não será nada fácil. Os inimigos são poderosos e a linha para o sucesso ténue. No entanto, se o presidente conseguir mostrar que está a combater interesses instalados, que está mais interessad­o em procurar soluções para que o país melhore e menos na mera guerrilha politiquei­ra, terá boa parte da guerra ganha.

O futuro dirá, mas há uma boa possibilid­ade de esta guerra sem quartel que está a ser feita a Rui Rio ser o início ideal. Ajuda a que tudo fique mais claro e a clareza é sempre melhor do que as meias-tintas.

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