Diário de Notícias

Até o nome é mau

- HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

Na sexta-feira passada, os chefes de Estado e de governo da União Europeia disseram, sobretudo ao Parlamento Europeu, que desta vez (eleições europeias de 2019) não vai haver Spitzenkan­didat coisa nenhuma. Ainda bem. Tudo nesta ideia é mau. Até o nome (que quer dizer candidato principal, em alemão).

O que os tratados preveem é que o Conselho (onde estão precisamen­te os chefes de Estado e de governo) escolha o presidente da Comissão Europeia, por maioria, tendo em conta os resultados das eleições europeias, e que o proponha para aprovação do Parlamento. Mas a escolha é dos chefes de Estado e de governo.

O que os defensores do modelo Spitzenkan­didat (a maioria do Parlamento Europeu e os partidos pan-europeus) defendem é que, anunciando ao povo quem é o seu candidato à presidênci­a da Comissão antes das eleições europeias, o povo votará para escolher essa espécie de chefe de governo, convicta, informada e, talvez, entusiasti­camente. E, claro, que o presidente da Comissão assim escolhido terá a legitimida­de de um chefe democrátic­o. E depois o poder, claro. O problema com toda esta argumentaç­ão é que não é real. É uma ficção.

Ninguém, fora da bolha europeia e de alguma bolha política, conhece os grupos parlamenta­res dos partidos pan-europeus como o PPE, o S&D, o ALDE, o ECR, osVerdes, ou os mais exóticos Europa das Nações e da Liberdade ou da Liberdade e da Democracia Direta. E, pior, mesmo que os conhecesse­m, distinguis­sem e compreende­ssem porque é que votar CDS ou PSD e CDU ou BE, nesse caso, seria a mesma coisa (ambos, respetivam­ente, no PPE e no grupo da esquerda nórdica/esquerda confederal europeia), nem sequer poderiam votar em alguns deles. OsVerdes, os dois exóticos, os Conservado­res e Reformista­s não têm membros portuguese­s (nem os Liberais, até há pouco tempo), pelo que não vão a votos em Portugal.

Mas há um argumento mais forte. O processo de decisão europeu é de compromiss­o, ao contrário dos processos políticos nacionais, que são de confronto. No Conselho estão ministros de 28 (27) governos, com todas as cores que há nos executivos europeus. Na Comissão, os comissário­s são indicados pelos respetivos governos e, por norma, são do partido do executivo lá no país deles. É por isso que há populares, socialista­s, liberais e conservado­res no executivo de Juncker. E que no próximo provavelme­nte haverá alguém da esquerda confederal (do Syriza). E no Parlamento, por norma, socialista­s e populares são o eixo de quase todas as grandes decisões. Ou seja, não há maioria e oposição. E, como foi dito sobre o Conselho e Comissão, naquelas duas instituiçõ­es também não. Ou seja, se o modelo de Spitzenkan­didat fosse avante, o presidente da Comissão, e só o presidente (não os restantes membros), seria escolhido em função dos resultados eleitorais de uns partidos em que ninguém votou e em que alguns não poderiam votar. E responderi­a perante um parlamento que não é nem deve ser o lugar de permanente confronto ideológico mas sobretudo de compromiss­o europeu. Em política as ficções costumam ser uma péssima ideia. É o caso.

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