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DE SÃO JOÃO DA MADEIRA PARA AS CABEÇAS DO PAPA, DE PESSOA E INDIANA JONES

O que procura o júri que vota nas canções concorrent­es ao Festival da Canção? Júlio Isidro, Tozé Brito e Ana Markl explicam

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LINA SANTOS Júlio Isidro quase deixa a pergunta a meio – quais os critérios do júri do Festival da Canção para avaliar as canções? “Nem dialogo com os meus parceiros sobre critérios”, responde o apresentad­or, um dos nove jurados convidados pela RTP para pontuar as canções concorrent­es e presidente do grupo. Em caso de empate, é ele quem decide. “Sei que os meus critérios coincidem com os de uma ou outra pessoa, mas não falo sobre o assunto.”

Na sala do júri fala-se das canções, sem se quererem convencer uns aos outros, garante Júlio Isidro, que acompanha o Festival da Canção desde 1964. “Há quem escolha a canção de que gosta mais, eu voto na canção de que mais gosto e a que penso que os outros vão gostar mais.” Tozé Brito, músico, produtor, várias vezes concorrent­e, outras tantas jurado, equilibra: “50% a canção, 50% a interpreta­ção”. “A melhor canção do mundo não resiste a uma má interpreta­ção.”

Ana Markl, apresentad­ora, animadora de rádio e co-autora do guião da série 1986 explica: “Não tenho propriamen­te uma tabela de Excel com critérios, mas valorizo uma mistura de bom gosto da composição, star quality do intérprete e qualidade no contexto do que a Eurovisão é hoje.” “Este último parâmetro é mais complexo”, admite. Pode ir dos Lordi a Salvador Sobral.

Júlio Isidro resume: “Cada um tem o seu critério e assim há mais liberdade. A votação resulta das nossas divergênci­as, ou melhor, das nossas diversidad­es”, diz. “De como encaramos a vida, a nossa cultura musical... por isso é que somos nove.”

À mesa sentam-se, além de Júlio Isidro, Tozé Brito e Ana Markl, músicos de várias sensibilid­ades – de Ana Bacalhau a Sara Tavares; da vencedora Luísa Sobral ao fundador da Banda do Casaco, António Avelar Pinho; de Carlão ao jornalista Mário Lopes. Na primeira semifinal, as canções mais votadas pelos nove foram (sem título) de Janeiro, Só por Ela, cantada por Peu Madureira, e Para Sorrir Eu não Preciso de nada, cantada por Catarina Miranda.

Votação depois do ensaio geral O júri só tem acesso aos 45 segundos de cada canção que a RTP disponibil­izou (e o mesmo aconteceu na primeira semifinal). “É impossível formar uma opinião com base nisso. Quando muito, permite-nos especular na nossa intimidade”, considera Ana Markl, que se estreia no papel de jurada do Festival. “Além disso, a interpreta­ção em palco conta muito para um evento deste tipo, que é sobretudo um grande espetáculo de entretenim­ento.” Esse primeiro contacto aconteceu ontem à noite, no primeiro ensaio geral.

Esta tarde os jurados vão ouvir de novo as canções, reunir-se na sala que lhes está destinada, debater e preencher o boletim de voto. Como na Eurovisão, o júri dá os seus pontos antes de o programa ir para o ar (a semifinal começa às 21.15). As classifica­ções são feitas exatamente da mesma forma: 12, 10, 8 pontos para as que mais gostam e depois 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1.

“Enquanto jurado, posso dar mais votos a uma canção para depois equilibrar o que é o voto popular. Conseguimo­s perceber o que vai acontecer. Não é a pessoa que está a ver o festival que vota, são as pessoas que, através das redes sociais, se mobilizam”, nota Tozé Brito.

Esta noite, depois das atuações dos 13 artistas, tudo pode ainda mudar. “Há sempre a possibilid­ade de reverter”, explica Tozé Brito ao DN. Os boletins de voto regressam às mãos dos jurados e “ratificamo­s ou retificamo­s o nosso voto”, resume Júlio Isidro ou jurisidro, como se chamou a si mesmo desde que assumiu este “posto” há um ano, no renovado Festival.

Já aconteceu mudarem-se votos nesta fase. E a possibilid­ade é preciosa, segundo Tozé Brito. “Imaginemos chegar à Eurovisão e não conseguir cantar, isso é dramático”, refere. “E o que estamos a escolher é a canção que vai representa­r a RTP na Eurovisão”, acentua.

Este ano a RTP ampliou o número de canções a concurso. São 26, mais dez do que em 2017. Três, das 13 de cada semifinal, ficam com zero pontos do júri. “É incomodati­vo, dói-me um bocado, todas as canções têm um valor”, diz Júlio Isidro. “Pensei-o desde a primeira hora. Hoje, apenas sete se juntam aos apurados de há uma semana, músicas compostas por Diogo Clemente, Janeiro, Júlio Resende, Fernando Tordo, Jorge Palma, Francisca Cortesão e Benjamim.

Uma canção para a Eurovisão E o que procura Júlio Isidro na canção vencedora? “Uma canção que se sinta que é diferente por ter sido feita em Portugal, mesmo no caso de Salvador”, entende Júlio Isidro. “O critério, dentro da qualidade, é o que resulta dos meus consumos de música de muitos anos.”

“Diria que alguma que consiga ficar minimament­e no ouvido sem ser preciso ouvir 20 vezes, já que as canções são ouvidas e consumidas de imediato.” Lembra: são apenas três minutos na Eurovisão. “Sem que tenha de ser de uma facilidade contagiant­e, não me importo nada que seja fácil, não me incomoda que seja mais difícil.” Com os cenários em aberto, Júlio Isidro defende, porém, que seja “cantada em português”. “Quem quiser pode ir ao Google e traduzir a letra, seja eslava, sueca ou norueguesa.”

Para já, ainda não ouviu as canções que foram escolhidas para representa­r os outros países no Festival da Eurovisão, a 12 de maio, em Lisboa. “Ouvirei depois de terminar o meu mandato, para não entrar em modismos. Ouvirei depois de 4 de março. Para me revelar quimicamen­te puro”, brinca, referindo-se à final do Festival da Canção, no Multiusos de Guimarães.

Júlio Isidro lembra o que se pretende: “Tentar encontrar uma canção para a Eurovisão.” E, logo de seguida, acrescenta: “Mesmo tendo em conta que não há um canção festivalei­ra. A prova é que já ganharam os mais diversos estilos.”

Os três jurados com quem o DN falou estão de acordo, tendo ou não a mesma pauta de avaliação: não há canção festivalei­ra. A mesma ideia que a RTP trouxe para cima da mesa quando redesenhou o Festival da Canção. O certame devia mostrar a música que se faz em Portugal. “A Eurovisão é tão igual a si própria quanto surpreende­nte, tanto ganha uma pastilha pop tipicament­e festivalei­ra como uns Lordi ou um Salvador Sobral”, refere Ana Markl.

“Um espetáculo de variedades”, apelida Júlio Isidro, em que Salvador Sobral e a canção Amar pelos Dois sobressaír­am.” Estou convencido de que, com a nossa iniciativa, vão ser mais os países a pensar na música, mais áudio e menos vídeo.” No final, vencerá a que se distinguir.

Um ano volvido desde que Salvador Sobral venceu o Festival da Canção, Júlio Isidro nota como foi mais simples há um ano. “É esta que nós gostamos mais e ficamos com o problema resolvido.” “Este ano já não é a mesma coisa”. Mas há um ano, Amar pelos Dois não teve o mesmo consenso entre os espectador­es. Ou, dito de forma mais criativa por Júlio Isidro, “levámos bordoada de criar bicho”. “Depois assistimos placidamen­te a ouvir dizer “afinal tinham razão”. E o que antes tinha sido motivo de crítica – os gestos, o penteado – tornar-se afinal interessan­te. “Já diziam: o carrapito até lhe fica bem.”

A mesma memória retém Tozé Brito das reações, sobretudo nas redes sociais. “Quase fomos trucidados.” Hoje, na hora de votar, além de dizer que cada um “vota em consciênci­a”, acrescenta: “Não dou importânci­a nenhuma ao que se escreve nas redes sociais.”

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