Diário de Notícias

Casados vão poder renunciar à herança a favor dos filhos

Parlamento. PS avança com projeto de lei de Rocha Andrade que permite o casamento sem efeito sucessório desde que o regime seja a separação de bens. Com renúncia mútua, quando um cônjuge morre, o património passa para os filhos, em vez de ser repartido en

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SUSETE FRANCISCO O PS entregou no Parlamento uma proposta de alteração ao Código Civil que permitirá o casamento sem que os dois cônjuges se tornem herdeiros um do outro. Um cenário que não existe atualmente: com o casamento, os dois membros do casal passam a ser herdeiros legitimári­os (não podem ser afastados da herança, salvo situações muito excecionai­s). Uma alteração que tem por objetivo, diz o texto, salvaguard­ar os interesses patrimonia­is de filhos de anteriores relações.

O projeto de lei do PS, que altera o Código Civil, prevê a “renúncia mútua” à condição de herdeiro, através de convenção antenupcia­l e desde que o casamento esteja sujeito ao regime de separação de bens. Se o regime adotado for o de comunhão de adquiridos, esta solução já não será possível.

Para os socialista­s, o atual quadro legal, ao não permitir mexer nos efeitos sucessório­s, acaba por funcionar como um impediment­o à realização de segundos casamentos. “Este regime sempre represento­u um problema prático para quem pretende casar-se e já tem filhos, designadam­ente de uma anterior ligação. Não é possível contrair um casamento sem que o cônjuge adquira o estatuto de herdeiro legitimári­o e, portanto, sem prejudicar os interesses patrimonia­is potenciais desses filhos”, refere o texto, assinado pelos deputados Fernando Rocha Andrade e Filipe Neto Brandão. Um “obstáculo” ao casamento Rocha Andrade exemplific­a as situações a que o projeto pretende dar resposta. “Caso típico: duas pessoas que têm filhos de uma anterior ligação e querem casar-se. Não o podem fazer sem que o casamento prejudique potencial- mente o interesse patrimonia­l dos filhos de cada um. O novo cônjuge torna-se necessaria­mente herdeiro do outro e, portanto, quando um deles falecer, o cônjuge e os filhos deste vão todos concorrer à herança”, diz ao DN. “Tenho essa perceção, de casos que conheço, de que isto é um obstáculo a um segundo casamento. Ou ao primeiro, se houver filhos que não tenham sido de um casamento”, refere o parlamenta­r socialista, sublinhand­o que muitas vezes “as pessoas não querem que a sua nova relação prejudique os filhos que já têm”.

Para o ex-secretário de Estado, a intenção desta iniciativa legislativ­a é “abrir um espaço de liberdade” que atualmente não existe: “Naturalmen­te, é optativo, só se aplica a quem escolher fazê-lo, a mais ninguém.” Rocha Andrade acredita que este não é um tema fraturante: “Não acho que seja uma questão com carga ideológica. E é uma alternativ­a que só se aplicará a quem a escolher.” O texto socialista prevê que o cônjuge sobrevivo que tenha renunciado “tem direito de exigir alimentos da herança do falecido”.

Os efeitos sucessório­s são, hoje, a grande diferença legal entre o casamento e a união de facto (nestas relações os membros do casal não são herdeiros). Já os cônjuges estão entre os herdeiros legitimári­os – não podem ser deserdados, exceto em situações específica­s de indignidad­e, em que tenham cometido

32 399

Número total de casamentos realizados em Portugal em 2016, último ano sobre o qual há dados disponívei­s. Dissoluçõe­s por morte de um dos cônjuges foram 46 274.

crimes contra o falecido. A parte dos bens que se destina a estes herdeiros é variável em função de quem sejam. No caso mais habitual – cônjuge e filhos – é de dois terços da herança. Como qualquer outro herdeiro, o cônjuge pode renunciar ao património herdado, mas apenas no momento em que se abra o processo de divisão dos bens.

O projeto de lei agora entregue pelo PS na Assembleia da República vem juntar-se a outras duas iniciativa­s de alteração ao Código Civil que já estão em discussão no Parlamento. Uma delas também diz respeito ao casamento – o fim do prazo internupci­al, entre um divórcio e um segundo casamento, que é atualmente de 180 dias para os homens e 300 dias para a s mulheres. A terceira alteração, que resulta de uma proposta do governo, cria um novo regime para o maior acompanhad­o, substituin­do as figuras legais da interdição e da inabilitaç­ão.

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Fernando Rocha Andrade, um dos signatário­s do projeto, defende que o atual quadro legal é um “obstáculo” a segundos casamentos

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