Diário de Notícias

Nove jurados à procura de canção (pouco) festivalei­ra

- BERNARDO GOMES MÉDICO E CONSELHEIR­O NACIONAL DA INICIATIVA LIBERAL

Ramón Sampedro. Quem viu o Mar Adentro reconhece o nome. Tetraplégi­co, impotente perante o mundo. Cansado de viver naquelas condições, quis desistir e assumir o controlo da sua vida. Neste caso, terminar com ela. Conseguiu, apenas com a ajuda de uma amiga. Laura Ferreira Santos lutou, por si e por outros, pela possibilid­ade de controlar o momento da morte nos próprios termos, sem ter de passar pelo processo de luta contra um tumor metastizad­o que iria acabar por lhe tirar a vida.

É importante referir estes casos para dar contexto e rostos à problemáti­ca. Num paradigma em que cada vez mais a autonomia e a qualidade de vida são uma preocupaçã­o, o que fazer quando alguém, face a um sofrimento, presente ou expectável, de uma doença terminal ou severament­e incapacita­nte, decide terminar com a sua vida?

Em linha com os valores liberais do Manifesto Portugal Mais Liberal, entendo que se deve discutir este tema sem tabus e que se defenda:

– divulgar as diretivas de vontade antecipada que permitem aos portuguese­s determinar o que querem e quem decide por eles, caso lhes aconteça um evento incapacita­nte;

– associar os cuidados continuado­s e paliativos à campanha no sentido de não só divulgar as soluções existentes mas também acautelar o acesso a quem necessita;

– fomentar o debate do acesso a mecanismos que permitam a morte assistida em circunstân­cias muito bem definidas e reguladas.

Não nos podemos resignar a obrigar alguém a viver uma vida que já não deseja e a passar por um caminho de dor e sofrimento pelo qual não quer passar. No entanto, também queremos que a pessoa possa ter o melhor apoio possível, de uma forma precoce, com o enquadrame­nto em cuidados paliativos, se assim o desejar.

É factual que a disponibil­ização de cuidados paliativos adequados reduz a uma minoria a reiteração dos pedidos de morte assistida. A possibilid­ade da morte assistida poderá até, paradoxalm­ente, incrementa­r a qualidade e o acesso a paliativos no sentido de a evitar. No entanto, há quem, face ao seu conjunto de valores e às suas circunstân­cias patológica­s, presentes ou futuras, mantenha a vontade de terminar a sua vida.

Move-nos o princípio da liberdade de um indivíduo poder escolher o seu destino, sem recorrer a mecanismos extremos, sem fugir do seu país para dar seguimento à sua vontade e poder fazê-lo enquadrado no seu contexto familiar, sem ter de negar uma despedida a si e aos seus. A dignidade também se afirma na escolha de não querer passar por situações de extrema dependênci­a e perda das suas capacidade­s cognitivas e/ou físicas, à vista dos entes queridos.

Temos noção dos vários obstáculos, mas não devemos, enquanto sociedade, adiar mais a aprovação de um quadro legislativ­o que legitime as escolhas individuai­s, sempre com regulação apertada e tendo em conta a proteção dos mais vulnerávei­s.

Há um caminho a trilhar e nós estamos disponívei­s para o fazer, com responsabi­lidade e liberdade. Parto com esta posição para o debate na Iniciativa Liberal e aproveito para convidar os demais a juntar-se à construção de uma sociedade mais livre.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal