Nove jurados à procura de canção (pouco) festivaleira
Ramón Sampedro. Quem viu o Mar Adentro reconhece o nome. Tetraplégico, impotente perante o mundo. Cansado de viver naquelas condições, quis desistir e assumir o controlo da sua vida. Neste caso, terminar com ela. Conseguiu, apenas com a ajuda de uma amiga. Laura Ferreira Santos lutou, por si e por outros, pela possibilidade de controlar o momento da morte nos próprios termos, sem ter de passar pelo processo de luta contra um tumor metastizado que iria acabar por lhe tirar a vida.
É importante referir estes casos para dar contexto e rostos à problemática. Num paradigma em que cada vez mais a autonomia e a qualidade de vida são uma preocupação, o que fazer quando alguém, face a um sofrimento, presente ou expectável, de uma doença terminal ou severamente incapacitante, decide terminar com a sua vida?
Em linha com os valores liberais do Manifesto Portugal Mais Liberal, entendo que se deve discutir este tema sem tabus e que se defenda:
– divulgar as diretivas de vontade antecipada que permitem aos portugueses determinar o que querem e quem decide por eles, caso lhes aconteça um evento incapacitante;
– associar os cuidados continuados e paliativos à campanha no sentido de não só divulgar as soluções existentes mas também acautelar o acesso a quem necessita;
– fomentar o debate do acesso a mecanismos que permitam a morte assistida em circunstâncias muito bem definidas e reguladas.
Não nos podemos resignar a obrigar alguém a viver uma vida que já não deseja e a passar por um caminho de dor e sofrimento pelo qual não quer passar. No entanto, também queremos que a pessoa possa ter o melhor apoio possível, de uma forma precoce, com o enquadramento em cuidados paliativos, se assim o desejar.
É factual que a disponibilização de cuidados paliativos adequados reduz a uma minoria a reiteração dos pedidos de morte assistida. A possibilidade da morte assistida poderá até, paradoxalmente, incrementar a qualidade e o acesso a paliativos no sentido de a evitar. No entanto, há quem, face ao seu conjunto de valores e às suas circunstâncias patológicas, presentes ou futuras, mantenha a vontade de terminar a sua vida.
Move-nos o princípio da liberdade de um indivíduo poder escolher o seu destino, sem recorrer a mecanismos extremos, sem fugir do seu país para dar seguimento à sua vontade e poder fazê-lo enquadrado no seu contexto familiar, sem ter de negar uma despedida a si e aos seus. A dignidade também se afirma na escolha de não querer passar por situações de extrema dependência e perda das suas capacidades cognitivas e/ou físicas, à vista dos entes queridos.
Temos noção dos vários obstáculos, mas não devemos, enquanto sociedade, adiar mais a aprovação de um quadro legislativo que legitime as escolhas individuais, sempre com regulação apertada e tendo em conta a proteção dos mais vulneráveis.
Há um caminho a trilhar e nós estamos disponíveis para o fazer, com responsabilidade e liberdade. Parto com esta posição para o debate na Iniciativa Liberal e aproveito para convidar os demais a juntar-se à construção de uma sociedade mais livre.