Diário de Notícias

“Estamos cá para 30, 40 anos. E vamos ser governo”

- SUSETE FRANCISCO

Chama-se Iniciativa Liberal (IL) e é o mais recente partido português, formalizad­o em dezembro. O facto de estar a dar os primeiros passos não lhe retira ambição: já assumiu que vai concorrer às três eleições do próximo ano (europeias, regionais da Madeira e legislativ­as)e quer ganhar três a quatro assentos no Parlamento. Mas quer mais, diz o presidente, Miguel Ferreira da Silva: quer chegar ao executivo e “reformar áreas de governação”.

A IL defende mais liberdade política, social e económica. Há falta destas liberdades em Portugal? Claro que sim. Dê-me um exemplo, em cada uma. A forma de fazer política em Portugal está obsoleta. É preciso algo de muito, muito diferente. E para se fazer diferente falta liberdade. Ao longo das últimas duas décadas houve um crescendo de movimentos de cidadãos, nas autárquica­s. As condições que são impostas a estes cidadãos, para se candidatar­em, e as que não são impostas aos partidos... São totalmente diferentes. A capacidade que nós, portuguese­s, temos de fazer que um assunto seja levado a debate na Assembleia da República é muito pouca, tudo tem de ser intermedia­do pelos partidos. Já soa a pouco, mas ainda é mais grave: há tantas regras e regrinhas para construir um partido que se dificulta a participaç­ão ativa do cidadão. E na área social? Têm-nos feito crer que a liberdade social se prende, por um lado, com questões de costumes, por outro, com questões de segurança social – o que é um erro de construção, de como consideram­os a democracia. A Segurança Social não devia ser uma questão social, devia ser uma questão económica. E em vez de falarmos de trabalhado­res devíamos falar de cidadãos. Mas dou um exemplo concreto. Na Educação, com a esmagadora maioria do currículo imposto por Lisboa a todas as escolas, um pai ou uma mãe têm a liberdade de dar a educação ao filho com opções suficiente­s? Quando a esmagadora maioria das poucas opções que existem, alternativ­as ao sistema de ensino público, oficial, têm de dar esse plus, esse mais, fora do currículo? Será que isso é liberdade social? Se calhar não. Se calhar esta tendência de absorver tudo num Estado prestador acaba por retirar liberdade às pessoas. Defende , portanto, menos Estado? Não necessaria­mente. Aliás, resulta do nosso manifesto [“Portugal Mais Liberal”, o documento de orientação política do partido, baseado no Manifesto de Oxford]que o Estado é necessário, tem é de ser eficiente. Há áreas em que provavelme­nte até tem de haver mais Estado. Não querendo falar demasiado das tragédias deste verão, é óbvio para todos nós que o Estado ali tem de ser muito mais forte. Se forte quer dizer mais ou menos, isso são políticas públicas, é o programa eleitoral, é o que queremos construir com todos os portuguese­s. E a falta de liberdade económica? É a mais óbvia. É muito óbvio que há um Estado excessivo no tamanho, excessivo nas dependênci­as que cria. O grande capital em Portugal, a instituiçã­o que gera maior “faturação”, o grande patrão é o Estado. Se para além disso considerar­mos as empresas do setor privado que dele dependem direta ou indiretame­nte, temos um país que se entende a si próprio, à sua economia e ao seu cresciment­o com base no Estado. Há excesso de regras, regrinhas, impostos, taxas... Há, por um lado, um sistema demasiado complexo, que dificulta o investimen­to privado. E que, por outro lado, cria dependênci­as. Há quem chame desregulaç­ão à liberdade económica defendida pelos liberais... Há várias confusões, é preciso ver o que é que as ideologias defendem em concreto. Na IL defendemos mais, mas sobretudo melhor regulação. Só que para ter melhor regulação tem de haver menos intervençã­o. Quando o Estado é árbitro e jogador ao mesmo tempo perde-se liberdade económica. E com isso perde-se liberdade política. A IL tem como modelo o Ciudadanos? Não. Mas temos uma afinidade muito grande. Podemos dizer que estamos no mesmo quadro político europeu. A IL quer afirmar-se ao centro, entre o PS e o PSD. Esse não é um espaço lotado pelos dois maiores partidos? É um erro tentarem encaixar-nos à força num quadro que já existe, pôr-nos na caixinha. Lamento, mas estamos fora da caixa, não nos revemos na definição esquerda/direita. Há políticas do BE, do CDS, do PSD, do PS, nas quais nos revemos, e não há drama nenhum nisso. O futuro da política tem de ser entre um certo conservado­rismo e um certo progressis­mo. Quando falamos de liberdades sociais é algo que, tradiciona­lmente, em Portugal, está ligado a uma certa esquerda mais reivindica­tiva, mais contestatá­ria. Isso não quer dizer que não nos revejamos nas mesmas causas. Na área económica há um conjunto de propostas de centro, de centro-direita, nas quais nos revemos. O que nós afirmamos é isto: é possível, no sistema político português, e tornou-se ainda mais depois das últimas legislativ­as, haver entendimen­tos em torno de causas. Em torno, por exemplo, de reformar a justiça, as finanças. Mas esses acordos, para a IL, seriam mais fáceis com o PS ou o PSD? Esse foi um erro em que se incorreu até às últimas legislativ­as. As opções não são feitas pelos partidos, são feitas pelo eleitorado. O que está aqui em causa não é se a IL prefere um acordo à direita ou à esquerda, são outras duas questões. Primeiro, nós vamos ser governo e vamos reformar áreas de governação. Segundo: pretendemo­s fazer isso da forma que os eleitores escolherem. A IL vai ser governo? Deixe-me voltar um pouco atrás. Houve, ao longo das últimas décadas, vários movimentos liberais em Portugal. Como em tantas outras áreas – também aconteceu na dita esquerda – havia divisões que promoviam essa divisão e não os entendimen­to s. Aconteceu isso, por exemplo, nos três partidos que fundaram o BE. E está a acontecer isso com os liberais. Percebemos que não há um partido liberal em Portugal com o qual os portuguese­s se possam identifica­r e que era urgente que isso acontecess­e. Mas a urgência é só em criar o partido. Porque nós não somos um partido para uma causa ou para uma eleição: somos um partido que vai estar aqui 20, 30, 40 anos. Portanto, sim, nós vamos ser governo em Portugal. O governo de Passos Coelho foi liberal? Não, de todo. No quadro muito difícil que Portugal enfrentou durante esses anos, foi uma oportunida­de perdida. É em momentos de dificuldad­e que temos de repensar a nossa vida e, às vezes, seguir caminhos diferentes. E esses caminhos não foram seguidos. Foi uma oportunida­de de fazer reformas que pusessem o Estado ao serviço do cidadão e isso não foi feito.

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