Diário de Notícias

Uma união aduaneira evitaria o pior dos mundos no pós-brexit

- POR WOLFGANG MÜNCHAU

Na semana passada comparei uma proposta de reforma da zona euro aos instrument­os tóxicos que nos levaram à crise financeira global. As ideias do governo britânico sobre o futuro relacionam­ento comercial com a UE também parecem surpreende­ntemente semelhante­s às inovações funestas dos financiame­ntos estruturad­os.

Uma opção em discussão é a “Canadá plus plus plus”. Cada um dos “plus” representa um complement­o a um acordo básico de livre comércio. A abordagem do Reino Unido propõe três categorias ou, nas palavras de Theresa May, “cabazes”. O governo quer permanecer alinhado com o mercado único da UE em algumas áreas, como a aviação, um membro parcialmen­te apartado noutras e um membro desligado mas voluntaria­mente cumpridor numa terceira categoria. Isso não é apenas ter sol na eira e chuva no nabal. É ter tudo o que se quer. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, teve razão em chamar à proposta uma “pura ilusão”.

É um erro comum no Reino Unido pensar-se que o espectro de escolhas é infindável. Mesmo se se incluir a possibilid­ade de uma revogação do brexit e um brexit sem acordo, consigo contar o número total de opções com os dedos de uma só mão. Das três restantes, a adesão à área económica europeia, a chamada opção da Noruega, já foi rejeitada pelo Reino Unido.

Isso deixa-nos perante dois cenários intermédio­s, ambos possíveis: um acordo comercial como o do Canadá sem “plus” e a união aduaneira para o comércio apenas de mercadoria­s.

A opção Canadá enfrenta uma enorme complicaçã­o. Na cimeira de dezembro, a UE e o Reino Unido concordara­m que não deveria haver uma fronteira aduaneira rígida entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Tenho a certeza de que o Conselho Europeu honrará o seu compromiss­o com a República da Irlanda.

Isso deixa-nos com um acordo de união aduaneira. O Reino Unido não pode permanecer na união aduaneira europeia simplesmen­te porque esta apenas está disponível para os Estados membros. Mas o Reino Unido poderá ter um acordo bilateral de união aduaneira com a UE, talvez semelhante ao acordo que a UE tem com a Turquia.

Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhist­a na oposição, pode subscrever um acordo de união aduaneira num discurso na segunda-feira. Anna Soubry, uma deputada conservado­ra, apresentou uma emenda ao projeto de lei sobre o comércio pedindo ao governo que procure uma união aduaneira após o brexit. Foi-me dito por um deputado trabalhist­a que apoia a união aduaneira que eles precisaria­m de cerca de 20 rebeldes do partido Conservado­r para ganhar a votação. Isso poderia alterar grandement­e o caminho para o brexit.

Em princípio, a UE aceitaria a ideia de uma união aduaneira porque isso também ajudaria as empresas continenta­is. Mas contrariam­ente ao que alguns defensores da união aduaneira no Reino Unido pensam, a UE impõe regras difíceis à Grã-Bretanha porque a sua economia é muito maior do que a da Turquia e geografica­mente mais próxima do centro económico da UE. Os franceses em particular estão paranoicos em relação a um Reino Unido que procure uma vantagem competitiv­a pós-brexit através de impostos mais baixos e normas laborais mais flexíveis.

A UE exigirá um certo grau de convergênc­ia política como preço para uma união aduaneira. Suponho que não exigirá que o Reino Unido aceite a liberdade de circulação. Só isso já poderá tornar a união aduaneira atraente da perspetiva do Reino Unido. Mas seria um erro pensar num acordo de união aduaneira como não intrusivo.

A UE poderia, por exemplo, insistir num regime de imigração relativame­nte aberto no Reino Unido, algo que, na prática, se poderia assemelhar à livre circulação. Não há razões económicas para vincular a livre circulação de bens comerciali­zados à de pessoas. Mas a política poderá interferir. Uma união aduaneira teria de ser ratificada por todos os 27 Estados membros, incluindo países que têm pouco a ganhar com o fluxo fácil de mercadoria­s, mas muito a perder com os controlos de imigração do Reino Unido. A UE como um todo opor-se-ia a qualquer regime de imigração que discrimina­sse direta ou indiretame­nte alguns Estados membros.

Pessoalmen­te, tenho dificuldad­e em entender porque é que se há de querer uma união aduaneira quando se pode ter a opção da Noruega. O EEE teria permitido um acesso ao mercado muito maior, embora com o custo de aceitar a liberdade de circulação. Como a imigração líquida da UE está a cair rapidament­e, toda a questão da liberdade de circulação perderá importânci­a.

Seja como for, um acordo de união aduaneira ainda constituir­á uma segunda opção decente porque minimizari­a a interrupçã­o dos fluxos comerciais e resolveria o problema da Irlanda do Norte.

O acordo do Canadá seria muito menos intrusivo, mas é politicame­nte mais difícil de fazer. Não resolveria a questão fronteiriç­a da Irlanda do Norte. Uma revogação do brexit é possível em teoria, mas exige que alguns acontecime­ntos pouco prováveis ocorram na sequência certa e no momento certo.

A minha expectativ­a é de que o Reino Unido e a UE acabem por ficar numa união aduaneira.

É provável que a UE aprove um tal acordo, mas também imporá controlos rigorosos

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