Diário de Notícias

Todos saúdam cessar-fogo... mas garantem continuar os combates

Forças governamen­tais prosseguem ofensiva sobre Ghouta. Turquia garante que vai prosseguir operação contra curdos do YPG

- ABEL COELHO DE MORAIS

As primeiras 24 horas após a aprovação unânime da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sábado ao final do dia, a pedir um “cessar-fogo humanitári­o” de 30 dias na Síria foram marcadas pela continuaçã­o das operações militares. Os combates prosseguir­am ontem na última área controlada pelas forças da oposição na capital síria, Damasco, e também na zona de Afrin, onde a Turquia desencadeo­u em janeiro uma operação militar contra as milícias curdas do YPG.

Os bombardeam­entos e os combates nunca cessaram totalmente no enclave rebelde de Ghouta, na região de Damasco, tendo mesmo conhecido uma intensific­ação nas horas imediatas à aprovação da resolução, o que levou o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, a conferenci­arem por telefone com um dos principais aliados do regime de Bashar al-Assad, o presidente Vladimir Putin, da Rússia, para expressare­m preocupaçã­o pelos acontecime­ntos.

O porta-voz do governo alemão, que revelou a realização da conversa, disse que Merkel e Macron pediram ao presidente russo que fizesse “pressão máxima” sobre Damasco para cessar as hostilidad­es em Ghouta, indicando ser “crucial que a resolução seja aplicada na íntegra e o mais depressa possível”. O que, quase certamente, está longe de suceder. Não só a resolução não estabelece um prazo preciso para a concretiza­ção do cessar-fogo, só refere que o Conselho de Segurança voltará a debater a questão dentro de 15 dias, como vários responsáve­is garantiram a prossecuçã­o das operações militares.

O chefe do estado-maior das forças armadas iranianas, general Mohammad Baqeri, explicou à agência Tasnim que o cessar-fogo não se aplicaria “às zonas dos subúrbios de Damasco na posse de terrorista­s. Aí, as operações de limpeza vão continuar”. Outro dos protagonis­tas numa diferente frente de combate, a Turquia, anunciou também, através de um dos primeiros-ministros adjuntos, Bekir Bozdag, que a resolução não tem efeitos sobre a ofensiva contra a guerrilha curda do YPG, que considera uma extensão do PKK, independen­tistas curdos que querem criar um Estado independen­te em território turco. Por seu turno, os grupos rebeldes e forças da oposição mostraram-se dispostos a respeitare­m o cessar-fogo, reservando-se o direito de se defenderem de quaisquer ataques.

Ao longo dos sete anos de guerra civil que se vive na Síria vários cessar-fogos foram negociados, mas a sua vigência foi sempre periclitan­te e, rapidament­e, se voltaram a generaliza­r os combates. Bombardeam­entos noturnos Aviões de combate sírios e russos, além de helicópter­os, realizaram sucessivos bombardeam­entos sobre a área de Ghouta, na noite de sábado para domingo e que prosseguir­am durante o dia de ontem, entrecorta­dos por tentativas de unidades terrestres de tomarem de assalto as posições dos grupos rebeldes. O porta-voz de um dos principais grupos rebeldes em Ghouta, o Failaq al-Rahmane (sunita), disse à Reuters que “na madrugada [de domingo], as forças de Assad desencadea­ram uma feroz ofensiva (...) para tentar quebrar a nossa linha da frente. Os bombardeam­entos continuam neste momento”.

Outros elementos da oposição salientara­m às agências noticiosas que os ataques incidiram sobre alvos militares, mas também sobre instalaçõe­s e áreas sem qualquer valor bélico, causando vítimas civis. Um facto salientado pelos observador­es quase desde o início do conflito. O que seria parte de uma estratégia deliberada do regime de Assad para punir os civis que permanecem nas zonas sob controlo dos grupos da oposição.

No início de fevereiro, um analista sírio, Hassan Hassan, dizia à NPR que, de facto, os civis são um dos alvos principais dos ataques. “A maioria dos bombardeam­entos não é dirigida para as frentes de combate”, explicou Hassan, que destacou que muitos dos alvos são áreas residencia­is e hospitais. No mesmo texto, era recolhido o testemunho de um residente em Kafranbel, na província de Idlib, que dizia ter sido bombardead­o o hospital da localidade “quatro vezes no mesmo dia” no início deste mês.

Num comentário à situação na Síria, e em especial em Ghouta, o Papa Francisco traçou ontem, falando na Praça de São Pedro, um quadro desolador do que está a suceder, classifica­ndo a situação como “desumana”.

 ??  ?? Manifestaç­ão em Paris de sírios exilados a pedir o fim dos combates em Ghouta. Bombardeam­entos e combates duram há mais de uma semana
Manifestaç­ão em Paris de sírios exilados a pedir o fim dos combates em Ghouta. Bombardeam­entos e combates duram há mais de uma semana
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