Antigo presidente foi indultado após atual chefe de Estado sobreviver a votação no Congresso, com apoio dos aliados do filho mais novo de Fujimori. Ambas as partes negam relação entre os factos, mas irmã expulsou-o do partido
SUSANA SALVADOR A libertação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, condenado por violação dos direitos humanos, foi motivo de protesto para os adversários e de júbilo para os apoiantes. Mas, dentro da família, a forma como ocorreu acabou por piorar a relação nada fraternal entre dois dos seus quatro filhos: Keiko Fujimori, líder da Força Popular e duas vezes candidata presidencial, e Kenji Fujimori, que nunca escondeu o desejo de chegar ao poder e acaba de ser expulso do partido da irmã mais velha. A guerra fratricida pode culminar nas presidenciais de 2021 com os irmãos como adversários.
As primeiras divergências públicas entre ambos remontam a dezembro de 2015, quando Kenji criticou Keiko por deixar de fora das listas eleitorais alguns fujimoristas históricos que tinham estado ao lado do pai. Fujimori foi presidente entre 1990 e 2000, quando aproveitou uma viagem à terra natal dos pais, o Japão, para renunciar (via fax) à presidência e escapar às acusações de corrupção. A dupla nacionalidade impediu a extradição, que só viria a acontecer em 2007, dois anos depois de ter sido detido quando viajou para o Chile. No Peru, seria condenado por violações dos direitos humanos e peculato.
Ao deixar de lado os aliados do pai, a líder da Força Popular fazia um esforço para uma renovação do partido e para cortar com a reputação negativa de Fujimori. O objetivo era tentar chegar a mais eleitorado que não apenas o fujimorista – que apesar das acusações ainda representa cerca de um terço dos eleitores peruanos, já que muitos acreditam que o ex-presidente salvou o Peru da ruína económica e do terrorismo da guerrilha do Sendero Luminoso. Keiko tentava tudo para ganhar as presidenciais de 2016, depois de cinco anos antes ter perdido por apenas 2,9 pontos percentuais a segunda volta para Ollanta Humala.
Em abril de 2016, quando já tinha passado novamente à segunda volta (desta vez contra Pedro Pablo Kuczynski), Keiko tentou calar os críticos, que a acusavam de tentar criar uma dinastia política. Anunciou então que não haveria no boletim de voto de 2021 nenhum candidato com o apelido Fujimori – caso vencesse, estaria impedida por lei de se recandidatar, já que a reeleição imediata não é permitida no Peru. “Só no caso de Keiko não conquistar a presidência serei candidato em 2021”, respondeu o irmão Kenji no Twitter, deixando claro que avançaria nas próximas presidenciais.
“Fujimori e o irmão estão a lutar para ver quem consegue a piñata em 2021! O Peru não é uma piñata”, reagiu então Kuczynski, referindo-se ao boneco em papel maché da tradição mexicana, que é recheado de doces e partido com paus. Kuczynski acabaria por vencer a líder da Alberto Fujimori, de 79 anos, foi indultado pelo presidente peruano na véspera de Natal Força Popular na segunda volta, por uma diferença de apenas 0,2 pontos percentuais, noutro dia em que voltou a ficar patente a distância entre os irmãos: Kenji não foi votar.
A última gota de água foi, contudo, a libertação do pai, que cumpriu apenas dez anos da pena de 25 a que tinha sido condenado. Keiko, que chegou a desempenhar o papel de primeira dama do Peru após o divórcio dos pais, sempre defendeu a libertação de Fujimori pela via judicial, através de recursos. Enquanto Kenji, que cresceu próximo do pai e é apontado como o filho favorito, era a favor de conseguir um indulto, alegando motivos de saúde.
Esse indulto chegou na véspera de Natal, depois de Kenji e de nove aliados no Congresso terem optado pela abstenção na votação que podia levar à queda de Kuczynski – suspeito de corrupção no caso que envolve a construtora brasileira Odebrecht. O voto fora pedido pela Força Popular, que tem maioria no Congresso. Ou melhor, tinha. Depois das acusações de que Kenji negociou a abstenção com o presidente em troca do indulto, o que ambas as partes negam, o partido expulsou-o e aos nove apoiantes.
Os aliados do filho mais novo de Fujimori são conhecidos como “Os Vingadores”, pelo hábito de Kenji de recorrer a personagens de banda desenhada e super-heróis para se retratar nas redes sociais – ultimamente tem adotado a personagem de Thor, retratando Keiko como a sua irmã vilã Hela. “O fujimorismo não é a Força Popular, o fujimorismo é o povo”, escreveu no Twitter. Os apoiantes da filha mais velha do ex-presidente são conhecidos como Mototaxi, o nome do grupo de Telegram (aplicação de mensagens instantâneas) que a cúpula de aliados de Keiko utilizava e cujo teor das mensagens foi revelado em dezembro de 2016.
Os dez congressistas que foram expulsos ou abandonaram o partido não podem formar o seu próprio grupo, devido às regras do Congresso peruano, ficando como independentes. Mas já mostram disponibilidade para votar ao lado do governo de Kuczynski em vários projetos de lei. Entretanto, Kenji vai subindo nas sondagens, com 39% dos eleitores a aprovarem o seu desempenho em janeiro (mais 12 pontos percentuais que em outubro), com Keiko a cair de 33% para 31%.