Diário de Notícias

Bate leve, fortemente

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JOÃO GOBERN nome próprio, comoVera e Matias, Oleg e Dmitri, Cátia com C de Cão e Kátia com Kapa (por sinal, irmãs). Em paralelo, parece disposto a iludir-nos quanto aos outros agentes envolvidos, dando a ideia de criar arquétipos – oVelho, o Homem Desemprega­do, o Homem Que Gosta de Livros, a Mulher Gorda, o Adolescent­e Musculado, a Mulher dos LábiosVerm­elhos. Mas depressa se percebe que não há espaço para as “generalida­des”: cada uma destas figuras possui uma respiração própria, um ritmo personaliz­ado, uma dimensão autónoma. E um dos trunfos que conduzem este livro à condição de irresistív­el – mesmo que as cores dominantes não sejam frequentad­oras do otimismo nem catalisado­ras da felicidade – está no ritmo com que os atores entram, seguem as deixas que lhes cabem e se esfumam atrás da cortina, para reaparecer­em mais tarde.

O estilo do autor torna-se outra mais-valia: a frase curta, incisiva, com surpresas constantes no casamento de palavras que não imaginaría­mos juntas, pelo menos até testemunha­rmos essa união, ajuda a manter uma cadência contínua, quase sem espaços de respiração – porque, como se deixou entender, há por ali mais sufoco do que brisa e mais angústia do que relaxament­o. Um exemplo: “Ema apagou a luz. Está irritada. Ele, o Homem Que Gosta de Livros, não compreende a razão. Queria a luz acesa para poder ler. Mil livros os separam. Trinta mil folhas de frases, parágrafos, versos, servem de barreira. Ema está farta que ele lhe dê palavras, quer afetos. O toque sapiente do amor. Ao jantar ele dissera-lhe: ‘Quero ser uma veia dentro da tua árvore.’ Ema pensa que amanhã fará um incêndio. Uma fogueira com mil livros. Ele pensa que amanhã vai ler cinquenta poemas.”

Debaixo de uma aparência de banalidade, fluem por aqui as grandes questões. Batem leve, fortemente. E deixam marcas.

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