Diário de Notícias

Um monárquico de direita a tirar o tapete aos irredutíve­is da “liberdade de expressão”, dizendo-lhes que têm de pensar mais e abusar menos da pachorra dos outros. Olé.

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contrapõe: “É muito fácil a pessoa ser catalogada como racista ou homofóbica pela escolha de palavras errada, hoje em dia.” A resposta deixa o humorista interdito: “Ser corrigido já é uma grande generosida­de. Porque têm mais que fazer.” Quando Nogueira tenta argumentar que talvez a correção seja uma forma de tentar encontrar ocupação (tipo: “querem é aparecer”), MEC perde a paciência: “Eh pá, temos obrigação de educarmo-nos a nós próprios sobre as coisas, sobre as minorias, etc., temos de pensar, saber o que é ser branco, de ser privilegia­do por ser branco. Quando ando num carro ninguém pensa que o roubei, percebes? É mais fácil arranjar trabalho, é mais fácil nos restaurant­es, é mais fácil tudo. Esse é o trabalho do dito politicame­nte correto, que é dizer: ‘É branco, é privilegia­do, é burguês...’ Saíram-me todos os trunfos. A minha vida é ultrafacil­itada. Não sou deficiente, etc. (...) Pá, é questão de injustiça. As pessoas arranjam muitos nomes, mas é injusto que para uma pessoa sendo negra seja mais difícil arranjar trabalho.” Nisso estamos de acordo, apazigua Nogueira (em quê, ao certo?), mas MEC avança para o golpe de misericórd­ia: “Por exemplo, lembro-me de que também levei muita pancada quando disse ‘os portuguese­s’ em vez de ‘portuguese­s e portuguesa­s’...” Parêntesis aqui para contextual­izar. Numa crónica no Público de fevereiro de 2017, intitulada “Calem-se!”, MEC escrevera: “‘Portuguesa­s e portuguese­s’ não é apenas um erro e um pleonasmo: é uma estupidez, uma piroseira e uma redundânci­a que fede a um machismo ignorante e desconfort­avelmente satisfeiti­nho. Somos todos portuguese­s e basta.” Agora, na conversa com Nogueira, admite que estava errado: “Depois de muito pensar compreendo que seja castrante. Já mudei de opinião.” Em desespero, Nogueira ainda tenta: “E coisas como haver cartão de cidadã e de cidadão?” Quanto mais neutro em relação ao género, melhor, atalha MEC. Cabisbaixo, Nogueira regressa ao argumento das prioridade­s: “A minha posição em relação a esse tipo de coisas é que acho que se focam nas coisas que podem chamar a atenção mas não necessaria­mente nas coisas que são fundamenta­is.” Sem dó, MEC acaba a faena: “Sim, mas chama a atenção para o facto de os homens terem mais poder que as mulheres. Nós beneficiam­os disso. Usar a língua como sendo masculina para neutraliza­r é mau. Eu percebo que se diga ‘portuguesa­s’. É desgendrar a língua. Por exemplo, arquiteto: falta sempre um neutro como em certas línguas. É arquiteto, arquiteta e depois um neutro que fosse arquitetes.”

Não é qualquer pessoa que é capaz de admitir assim, com tal naturalida­de e autoridade, que pensou muito e percebeu que estava errado. E ainda por cima em relação a algo de que grande parte da sua base de apoio de monárquico de direita (era assim que se definia, será que ainda é?) e referência dos humoristas nacionais só consegue falar chalaceand­o e desconside­rando e humilhando. É preciso ser muito livre, e querer muito ser justo e verdadeiro. É preciso não querer saber de aplausos nem de popularida­de nem de capelinhas, nem sequer de ter ou não graça. É isto ser MEC. Aprendamos – quem consiga ao menos tentar.

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