Diário de Notícias

Proteger os moradores do turismo

- ALISON ROBERTS JORNALISTA BRITÂNICA FREELANCE

No início deste mês, a cidade de Ibiza decidiu pedir autorizaçã­o para proibir agências que promovam arrendamen­tos de curta duração, determinan­do um desenvolvi­mento dramático numa longa batalha. A atitude visa diretament­e o Airbnb, que o Diario de Ibiza descreveu numa coluna recente como um “câncer social” pelo seu suposto impacto no mercado imobiliári­o local, que leva a que alguns trabalhado­res vivam em apartament­os superlotad­os ou mesmo em carrinhas.

O caso mais conhecido de uma cidade que restringe o arrendamen­to de curta duração é Barcelona, onde a ira dos moradores com o impacto do turismo de massas deu origem a manifestaç­ões. A eleição de Ada Colau em 2015 como presidente da câmara trouxe um congelamen­to do alojamento turístico e multas para as agências que apresentem nas suas listas apartament­os não registados.

Berlim e Londres são outras das cidades a limitar o número de dias por ano em que são permitidos os arrendamen­tos de curta duração. A cidade natal do Airbnb, São Francisco, foi uma das primeiras a fazê-lo, levando a anos de batalhas legais que só foram resolvidas em maio passado.

Em Portugal, em contrapart­ida, o desenvolvi­mento do debate tem sido lento.

Em setembro de 2016, alguns meses depois de assumir o cargo de presidente da Câmara Municipal de Lis- boa (CML), Fernando Medina disse a correspond­entes estrangeir­os que lhe perguntava­m se ele estava preocupado com os impactos negativos da expansão dos arrendamen­tos de curta duração que não tinha conhecimen­to de quaisquer problemas reais. Isso surpreende­u os jornalista­s presentes que já tinham investigad­o o assunto.

No mês de junho seguinte, Medina disse à Bloomberg News que as pessoas “não deviam ter medo desta nova dinâmica”, mas sim “preparar-se para ainda mais turistas”. O próprio Airbnb, segundo o artigo, via Lisboa como um modelo: “Enquanto algumas cidades europeias impõem restrições… para manterem a habitação acessível e proteger os moradores dos visitantes ruidosos, Lisboa está a tomar medidas com vista à facilitaçã­o.”

A campanha de Medina para as eleições autárquica­s de outubro de 2017 marcou uma mudança, com a promessa de exercer pressão a favor de leis para permitir restrições, como parte de uma plataforma política que ele disse ter resultado de um “amplo debate público com a sociedade civil”.

Na verdade, já em fevereiro de 2016, as quatro juntas de freguesia do centro histórico de Lisboa emitiram uma “exigência” conjunta para que a CML e o governo limitassem os arrendamen­tos de curta duração, culpando-os pela perda, nas freguesias da Misericórd­ia e de Santa Maria Maior, de mil habitantes cada, no período de dois anos.

Lisboa é uma cidade pequena com um pequeno centro histórico, o que amplia essas tendências. Para se ter a noção, compare-se com Nova Iorque, onde as autoridade­s reforçaram os regulament­os em face da enorme procura de arrendamen­tos de curta duração: um estudo realizado no mês passado pela Universida­de McGill de Toronto estima que a Airbnb adicionou 1,4% aos arrendamen­tos de longa duração no período de três anos (e que mais de 85% dos arrendamen­tos mensais são ilegais).

Compare-se esse aumento com os números de Portugal da Imovirtual, que mostram um aumento de 26% nos arrendamen­tos de longa duração em 2017; em Lisboa, o aumento foi certamente maior. O presidente da Associação dos Profission­ais e Empresas de Mediação Imobiliári­a de Portugal (APEMIP), um organismo que não é conhecido por favorecer preços mais baixos, advertiu que “a habitação… está a caminhar para uma situação perigosa”.

O mantra inicial do Facebook era “Mexa-se rápido e quebre coisas”. Agora é acusado por autoridade­s de proteção de dados e parlamento­s de… quebrar algumas coisas importante­s, e o seu diretor executivo, Mark Zuckerberg, prometeu passar 2018 a “corrigir” esses problemas.

Na semana passada, numa nova etapa para o Airbnb, o seu diretor executivo falou à Reuters da sua crescente conscienci­alização sobre o impacto da empresa nos mercados imobiliári­os. Brian Chesky admitiu que a Airbnb se apresentou durante muito tempo como uma plataforma que “realmente não pode assumir a responsabi­lidade pelo que acontece” nela. “Nós mudámos o nosso ponto de vista”, disse ele, acrescenta­ndo que um de seus objetivos agora é entender como o Airbnb muda os bairros “antes que haja uma lupa gigante” sobre a oferta pública inicial deste ano. Quando até o próprio Airbnb vê a necessidad­e de avaliar o seu impacto nas cidades, faz certamente sentido que as próprias cidades o façam.

Na campanha para as eleições autárquica­s de outubro de 2017, Medina prometeu exercer pressão a favor de leis que permitisse­m restrições

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