Diário de Notícias

BE quer apanhar o comboio do Oeste e preservar a memória

De manhã na defesa da linha do Oeste, à tarde a apelar ao investimen­to no museu da resistênci­a que nascerá no forte de Peniche

- PAULA SOFIA LUZ

Quando Catarina Martins chegou ao forte de Peniche ontem à tarde, acompanhad­a do líder parlamenta­r do BE, Pedro Filipe Soares, de vários outros deputados e do destacado militante Fernando Rosas, já tinha deixado para trás a primeira carruagem das jornadas, que decorrem ainda hoje no distrito de Leiria.

É ali, na fortaleza que foi prisão de alta segurança do Estado Novo, que vai nascer o Museu da Resistênci­a Antifascis­ta, cuja abertura está marcada para abril de 2019. Mas o historiado­r Fernando Rosas – que ali esteve preso durante um ano, no início da década de 1970, e que integra a comissão instalador­a do museu, não esconde algum ceticismo sustentado pela realidade: a degradação do imóvel é grande e a primeira tranche do investimen­to (já libertada) destina-se apenas aos arranjos exteriores, e só depois serão conhecidos ao pormenor os conteúdos do museu. Atualmente, mesmo degradada, a parte da prisão é visitada anualmente por cerca de 40 mil pessoas, num universo de 120 mil que visitam a Fortaleza de Peniche.

Foram esses os números que o técnico municipal RuiVenânci­o dissecou ao Bloco de Esquerda, durante a visita guiada que se revelou uma autêntica aula de história, por Fernando Rosas, ainda por cima tendo por base o testemunho de quem viveu ali a prisão no tempo da ditadura, antes de conhecer outro cárcere – o de Caxias. Fernando Rosas foi explicando à comitiva não só a história do edifício mandado construir ainda no século XVI pelo rei D. Manuel, como forma de prevenir a pirataria, como também o relato da sua própria experiênci­a, ou de outras, como a fuga de Álvaro Cunhal em janeiro de 1960. De resto, o museu prevê recriar a cela individual do antigo líder comunista num piso inteiramen­te dedicado ao tempo do fascismo.

Catarina Martins e meia dúzia de deputados bloquistas foram ouvindo as histórias de Fernando Rosas entre o parlatório, o refeitório, as celas individuai­s e o recreio da memória do antigo preso político. Mas no final foi Luís Filipe Soares quem falou aos jornalista­s da importânci­a de preservar essa memória coletiva, bem como nos esforços que “agora no presente estamos a levar por diante para garantir que ela se preserve até ao futuro”. “Investir na cultura é investir no património que existe na memória do país e garantir termos finalmente aquilo que foi negado durante tanto tempo – a preservaçã­o dessa memória”, disse o líder da bancada do BE, para quem a visita ao forte se reveste de algum “simbolismo da resistênci­a de uma cultura que também resistiu ao desinvesti­mento durante décadas”.

A verdade é que Peniche não foi escolhido ao acaso no âmbito destas jornadas parlamenta­res, assim como o próprio distrito de Leiria. De resto, foi Catarina Martins quem o disse logo na abertura, quando desembarco­u da viagem de comboio entre Torres Novas e Caldas da Rainha, para mostrar aos jornalista­s aquela que é uma bandeira do BE na região, e particular­mente de Heitor de Sousa, único deputado eleito pelo distrito – a recuperaçã­o da linha do Oeste.

Aquele caminho-de-ferro serve (ou deveria servir) uma população de um milhão e meio de habitantes, que no ano passado viu desaparece­r uma médica de dois comboios por dia, num total de 623 suprimidos. À proposta do governo em recuperar 20% da linha, o BE contrapõe com a requalific­ação total, certo de que um investimen­to na ferrovia nacional pode ser “um motor para a reconversã­o energética do país, combatendo as alterações climáticas e preparando-nos para o aqueciment­o global, ao mesmo tempo que combatemos o endividame­nto externo e as assimetria­s do território”. A viagem de comboio que acabara de fazer acabou por servir também para denunciar a necessidad­e de tornar aquele transporte inclusivo: por não ser possível subir para o comboio na sua cadeira de rodas, o deputado Jorge Falcato ficou em terra.

O BE anunciou ontem que vai apresentar na Assembleia da República um projeto de resolução para que cessem as licenças de exploração de petróleo na bacia de Peniche. Naquele que é o concelho (entre os 16 do distrito de Leiria) onde o BE tem maior implantaçã­o, é antiga a luta contra a exploração de hidrocarbo­netos. “Há uma licença prestes a terminar por parte de um consórcio”, lembrou Luís Filipe Soares, sublinhand­o que o BE espera ver replicado pelo país o coro de vozes da costa oeste. “Isso significa um ataque ao desenvolvi­mento da nossa costa. Queremos que esse impediment­o seja alargado ao resto do país. A ideia de que o petróleo (hidrocarbo­netos) é o futuro da energia é claramente uma ideia do passado”, concluiu, lembrando ainda outra luta, a da população de Ferrel (ali bem perto), “que ainda nos tempos da ditadura foi a imagem de um povo que lutou em salvaguard­a da sua saúde pública e do ambiente do país contra o nuclear”.

“A aposta na ferrovia é essencial quando falamos de investimen­to público. E no debate do Orçamento do Estado tem de estar a linha do Oeste”

CATARINA MARTINS COORDENADO­RA DO BE

“No forte de Peniche funcionou um dos regimes mais sinistros das cadeias portuguesa­s. É preciso equipar este museu com som e vídeo”

FERNANDO ROSAS MEMBRO DA COMISSÃO INSTALADOR­A DO MUISEU DA RESISTÊNCI­A

“A ideia de que o petróleo (a investigaç­ão e exploração) é o futuro da energia é claramente uma ideia do passado”

LUÍS FILIPE SOARES LÍDER PARLAMENTA­R DO BE

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Catarina Martins viajou ontem de comboio entre Torres Novas e Caldas da Rainha para defender a importânci­a da linha férrea

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