Diário de Notícias

Serões da Pena partem da Terra e terminam numa estrela

Ciclo começa na sexta-feira, com o Trio Pangea e prolonga-se até dia 30. Cabeça-de-cartaz é a meio-soprano Karen Cargill

-

Trio Pangea, composto por Adolfo Rascón Carbajal (violino), Teresa Valente Pereira (violoncelo) e Bruno Belthoise (piano), atua nos dias 2 e 3

BERNARDO MARIANO Começou pequeno, quase discreto, e neste ano já tem oito concertos (sempre às 21.00). Massimo Mazzeo, o diretor artístico, explica assim a expansão operada nos Serões Musicais no Palácio da Pena: “No ano passado, para cada concerto, tínhamos de recusar quase tantas pessoas quantas as que cabiam na sala [80], daí que tenhamos decidido duplicar a oferta, com três dos cinco programas a serem apresentad­os duas vezes [ver coluna ao lado].” Outra transforma­ção: a “migração” do ciclo para março (começou por ser em janeiro). Massimo é muito pragmático: “A cultura é um ato de resistênci­a por definição. Mas basta que seja uma resistênci­a intelectua­l e não física: a Pena em janeiro/fevereiro, à noite, por muito romântica que seja, é demasiado ingrata, quer para os artistas quer para o público. E não é preciso pôr em risco a saúde de uns e outros.” Completa: “Março será o limite possível, sem perder por completo essa matriz invernal.”

A abrir, o Trio Pangea, no qual toca Teresa Valente Pereira (violoncelo): “Será a estreia do trio em Sintra, o que me deixa muito feliz porque sempre tive uma ligação muito forte a esta vila.” O programa, diz, “foi pensado expressame­nte para a Pena” e inclui o Trio em Si menor de Vianna da Motta: “Quisemos assinalar os 150 anos do seu nascimento e será a primeira vez que tocamos esta obra em Portugal”, revela. Para Massimo, homenagear Vianna da Motta “faz todo o sentido, porque ele frequentou estes espaços, foi um dos muitos artistas apoiados pelo rei e partilhava com este a matriz germânica”. Os Pangea estão a gravar trios de autores portuguese­s para a Naxos: “O de Vianna da Motta fará parte do terceiro disco, que iremos gravar em 2019.” Sobre a obra, diz que “é muito imaginativ­a, com temas caracterís­ticos e muito pessoais, que resulta muito bem”. Porém, “não é nada fácil de montar, é preciso descobrir-lhe os segredos e ‘dar-lhe’ a volta”. Estrela escocesa Mas a grande “cabeça-de-cartaz” será neste ano a meio-soprano escocesa Karen Cargill: “Felizmente, uma programaçã­o não se faz apenas por contactos com agentes e agências”, começa por dizer Massimo – “e, no caso da Karen, foi a sincera amizade que nos liga há já 14 anos que determinou e permitiu que ela viesse. Ela estreou-se em Portugal em 2008 com a orquestra Divino Sospiro [criada e dirigida por Massimo Mazzeo], ficou a adorar o país e há muito que me dizia que gostaria de cantar num ambiente intimista”. Daí até lhe sugerir que viesse à Pena foi um passo: “Ela aceitou de imediato, sem mais preocupaçõ­es!” Para Massimo, foi o melhor de dois mundos: “Desde a criação deste ciclo que eu sonha- va ouvir aqui as Canções deWesendon­ck, deWagner, que têm tudo que ver com o espaço e a época em que cá viveu D. Fernando II. E não há hoje muitas vozes mais indicadas para o fazer do que a de Karen.”

Esta presença internacio­nal não desvia, porém, o ciclo da predominân­cia de artistas nacionais: “Sim, a exceção não se tornará regra”, assevera Massimo, “e ela explica-se até por um critério puramente artístico: este ciclo precisa de integrar sempre Lied, mas este requer vozes com uma especifici­dade e personalid­ade muito definidas que, por várias razões, é raro encontrar em Portugal”. Mas até na exceção há… exceção: “Em 2019, iremos ter um programa com Lieder de Schumann por um intérprete português.” E, tal como os portuguese­s, também o canto manterá predominân­cia: “Pretendo que o conteúdo do ciclo ilustre o que era a matriz das vivências musicais no palácio e na Lisboa da época. E sem dúvida que a música vocal era dominante – aliás, a condessa d’Edla era cantora lírica.” E, acrescente­mos, o próprio D. Fernando adorava cantar nessas pequenas reuniões que organizava.

Algo que deixa Massimo muito gratificad­o é a evolução do perfil do público que acorre aos três ciclos da temporada da Parques de Sintra: “Temos mais portuguese­s, temos público ocasional (turistas), temos turistas que vêm de propósito a Portugal para assistir aos ciclos e – último trunfo! – temos pessoas que têm aqui o seu batismo de música clássica, e isso é algo que me deixa especialme­nte feliz, porque deverá ser justamente essa a motivação primordial de quem trabalha nesta área: atrair novos públicos.”

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal