INOVAÇÃO
EMPRESAS FILHAS DE PARCERIAS COM O MIT E OUTRAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS JÁ VALEM CENTENAS DE MILHÕES
A Veniam – uma empresa de software fundada em Portugal que desenvolve tecnologias para a comunicação em rede entre veículos – já está a trabalhar com grandes construtores para que os novos automóveis, completamente autónomos, “saiam de fábrica” com o seu software. A informação foi confirmada ao DN por João Barros, professor universitário e CEO desta empresa, avaliada em cerca de 118 milhões de euros e um dos vários exemplos de sucesso de uma década de parcerias entre universidades portuguesas e grandes instituições estrangeiras.
A Veniam nem é a mais valiosa das largas dezenas das empresas nacionais nascidas destas parcerias, que envolvem gigantes da área das tecnologias, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Universidade de Carnegie Melon (CMU), a Universidade do Texas Austin e a Associação Fraunhofer, da Alemanha, que se juntou mais tarde a este lote. Esse título pertence à Feedzai, considerada a primeira startup gerada pelo programa CMU. A empresa que também atua na área da internet das coisas (IoT) desenvolveu, recorrendo à inteligência artificial, recursos que permitem às instituições financeiras combater fraudes nos pagamentos. E já está avaliada num valor que a coloca acima de quatro cotadas do PSI 20 e em igualdade com os CTT: cerca de 508,5 milhões de euros.
Calcular o valor conjunto das centenas de startups nascidas destas parcerias – só a iniciativa Building Global Innovators, com o MIT, envolveu mais de 120 –, além do capital acrescentado a diversas empresas portuguesas já existentes que aderiram aos protocolos, é um exercício que nenhum dos envolvidos nestas parcerias quis arriscar fazer. No entanto, há dados que demonstram que têm sido consideráveis os ganhos para a economia desta iniciativa, cuja segunda fase, até 2030, foi lançada há dias pelo governo.
O ministro do Ensino Superior está, aliás, nos Estados Unidos desde o fim de semana, para uma visita destinada a promover o alargamento da parceria internacional entre o governo português e o Massachusetts Institute of Technology, no arranque da nova fase do Programa MIT-Portugal . O novo ciclo de parcerias internacionais, que se irá prolongar até 2030 – o GoPortugal-Global Science and technology Partnerships Portugal –, envolve 64 milhões de euros de investimento.
João Barros, um dos fundadores da Veniam, não quis adiantar o nome das marcas que irão equipar os seus veículos com a tecnologia da sua empresa, explicando que existem “acordos de confidencialidade” que impedem a divulgação dessas informações. No entanto, garantiu que “ao longo do ano seguramente irá haver notícias sobre isso”, acrescentando que a entrada no mercado destes automóveis “ainda deverá demorar alguns anos”, porque a tecnologia “tem de ser integrada na arquitetura” dos novos veículos.
“A grande oportunidade da Veniam é tornar-se a arquitetura de referência dos veículos autónomos, que vão ter de comunicar entre eles para trocar dados, comunicar mapas, detetar-se uns aos outros, à medida que vão trocando passageiros de uma parte para a outra”, disse João Barros, para quem conduzir automóveis, pelo menos “por obrigação”, será em breve uma coisa do passado (ver entrevista ao lado).
Integrada na área emergente da chamada internet das coisas, a Veniam foi fundada por dois professores universitários portugueses – João Barros (Universidade do Porto) e Susana Sargento (Universidade de Aveiro) – e pelo casal Robin Chase e Roy Russell, que ajudou a criar a multinacional de partilha de automóveis Zipcar, hoje detida pela Avis.
Com mais de cem patentes registadas, a empresa portuguesa, nascida da colaboração entre a CMU e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito das parcerias internacionais lançadas em 2007 pelo então ministro Mariano Gago, foi considerada no ano passado a 34.ª empresa mais inovadora do mundo, à frente de marcas como a Spotify e a Dropbox. Cada euro investido rendeu 40 De acordo com um relatório de 2016 da UTEN Portugal (University Technology Enterprise Network), uma entidade criada juntamente com a Universidade de Austin para promover a comercialização da ciência e da tecnologia geradas no país, cada euro investido pela FCT nestas parcerias e noutros projetos ligados à aposta nas novas tecnologias teve um retorno de 40 euros.
Nos primeiros cinco anos das parcerias, as universidades registaram um aumento de 20% nas patentes concedidas, de 137% nas receitas por licenciamentos e de 132% nos novos spinoffs académicos (empresas criadas a partir de projetos académicos). Já as empresas tecnológicas registaram um crescimento anual de 127% nas receitas e de 38% nas contratações.
A isto somam-se os mais de mil professores, investigadores e empresários envolvidos nos programas, além dos 1500 estudantes que
A empresa Feedzai está avaliada num valor que a coloca acima de quatro cotadas do PSI 20 e em igualdade com os CTT Com mais de cem patentes registadas, a Veniam foi considerada a 34.ª empresa mais inovadora do mundo no ano passado
fizeram os seus mestrados e doutoramentos através das parcerias entre 2007 e 2017.
Para Nuno Nunes, um dos diretores do programa CMU Portugal, o país tem hoje “uma nova geração de pessoas que criam empresas não por necessidade mas por oportunidade. Notam uma lacuna e criam empresas que competem desde a sua fundação no mercado global”, defende. “É uma grande diferença em relação ao que era o statu quo.”
Em que área nascerá a próxima grande empresa, explica o também presidente do Instituto de Tecnologias Interativas da Madeira, “não é possível dizer. Ninguém era capaz de o prever há dez anos e ninguém o fará agora”, assegura. No entanto, acrescenta, também já ninguém duvida de que os casos de sucesso vão continuar a multiplicar-se: “O que sabemos é que se juntarmos talento as probabilidades são fortes.”
Liliana Ferreira, diretora da Fraunhofer Portugal AICOS, também vê no melhor aproveitamento do talento nacional e da qualidade das nossas instituições de ensino uma fórmula de sucesso para o futuro: “Temos acesso a recursos qualificados que nem sempre estão disponíveis noutros países europeus”, diz. “Na área da inteligência artificial, na computação informática, temos recursos e alunos a sair das universidades que conseguimos atrair para os nossos projetos”, conta. “Num país como a Alemanha, por exemplo, têm dificuldade em fazê-lo porque a mão-de-obra é escassa nestas áreas.”
O centro de pesquisa aberto há dez anos, no Porto, no âmbito da parceria entre a FCT e a Associação Fraunhofer – na altura foi a primeira unidade fora da Alemanha – segue a linha orientadora da casa-mãe, com uma forte ligação da pesquisa às necessidades das empresas e das populações. E Liliana Ferreira nota também uma “clara diferença” na relação com as empresas. Se no passado era necessário “ir ter com a indústria para lhe apresentar os nossos serviços”, hoje acontece o contrário. No lançamento da segunda fase do programa em Portugal, que incluirá a abertura de um novo centro dedicado à agricultura e parcerias com as universidades de Évora e de Trás-os-Montes e Alto Douro, “tivemos as instalações completamente cheias, muito interesse nesta área, muitas ideias e muitas oportunidades”.