Diário de Notícias

DENIS MERCIER

“COMANDO DA NATO EM LISBOA VAI SER MAIS IMPORTANTE”

- MANUEL CARLOS FREIRE

O comandante supremo aliado da NATO para a Transforma­ção (SACT, sigla em inglês) decidiu receber o Comité Militar da NATO em Lisboa e não em Norfolk, sede desse Comando Aliado estratégic­o da Aliança (ACT). A opção traduz a importânci­a que o general francês Denis Mercier dá ao Centro de Análise Conjunta e Lições Aprendidas (JALLC) na evolução dos processos de treino e de combate dos 29 aliados, bem como a convicção de que os contingent­es nacionais podem melhorar a partilha das respetivas lições aprendidas nos teatros de operações. O JALLC é conhecido na NATO? Sim e fazemos o nosso melhor para lhe dar maiores responsabi­lidades. A NATO tem desenvolvi­do sempre um processo robusto de lições aprendidas, que identifica­mos nos exercícios operaciona­is. Depois tentamos aprender e melhorar. O objetivo é recentrar as lições aprendidas para apoiar tudo o que fazemos em exercícios e operações. É uma tarefa dada neste ano ao JALLC, que está a reorganiza­r-se para usar ferramenta­s do século XXI – análise de dados, informação artificial – e melhorar. Ao nível da inteligênc­ia artificial, temos muitas bases de dados sobre as lições identifica­das e o objetivo é construir um portal único com acesso a todos os bancos de dados, coordenand­oos com os de outras organizaçõ­es, como a UE, ou de outros países. A visibilida­de do JALLC tem si dobo amas agora está realmente a melhorar e será muito importante no futuro. Estou muito satisfeito por organizar esta visita do Comité Militar a Lisboa, para explicara todos os paíseso JALLCes tá afazer e como irá aperfeiçoa­r a forma como operamos no futuro. A NATO está a mudar e o ACT é essencial nesse processo. O que vai dizer ao Comité Militar (CM)? A primeira coisa é continuar a conversar sobre o que é uma gigantesca adaptação da NATO, que resulta do facto de terem mudado os pressupost­os estratégic­os em que assenta o Conceito Estratégic­o aprovado em 2010. Por exemplo, o de a Rússia ser um parceiro quando tem violado leis internacio­nais; as primaveras árabes... Temos de adaptar a estrutura comum para enfrentar a complexida­de do ambiente atual. Mas sabemos que os pressupost­os continuam a mudar e é papel do ACT antecipar permanente­mente o que serão essas evoluções. O CM irá discutir questões estratégic­as que poderão condiciona­r futuros documentos e estratégia­s, a estrutura da forças para cenários futuros e quais as contribuiç­ões militares para esses cenários, a inovação... Com novas tecnologia­s, serão precisas forças mais pequenas? Precisamos de forças flexíveis. O que caracteriz­a o futuro é a complexida­de, a enorme interligaç­ão das ameaças. Temos a interação de atores, Estados ou não estatais, que atuam de forma diferente de acordo com a situação geográfica. Temos diferentes cenários que podemos antecipar, como maior concentraç­ão em ambientes urbanos... Parte dessa complexida­de são as novas tecnologia­s e estou a pensar na inteligênc­ia artificial, em sistemas autónomos de inteligênc­ia artificial. Uma questão central é compreende­r o que será e qual será essa evolução. A segunda é entender como isso poderá ser usado por potenciais adversário­s (mesmo não estatais) e como isso pode ameaçar a superiorid­ade da NATO. Terceiro, como podemos nós usar essas tecnologia­s para melhorar a capacidade de resposta do nosso processo de decisão. Em torno disto há inúmeras questões, como a da interopera­bilidade. Não falo só no plano técnico, mas também político. Se desenvolve­rmos mais sistemas autónomos, todos os países terão acesso ao mesmo grau de autonomia? É urgente falar sobre esses assuntos, definir de forma concreta onde se investe o dinheiro, que grau de autonomia iremos dar a que sistemas... Fala de interopera­bilidade quando a Turquia está a comprar sistemas de mísseis à Rússia... Por isso é muito importante trabalharm­os juntos. Temos o processo de planeament­o de defesa da NATO, onde as nações desenvolve­m de forma coerente os seus sistemas de forças. E precisamos de estar seguros de que serão capazes de integrar essas capacidade­s nas redes da NATO. Isso exige um grau de segurança que os sistemas russos não têm. Não estou a mencionar um país, estou a dizer que é importante – é

um aspeto político – estarmos seguros de que conseguimo­s integrar os nossos sistemas nas redes classifica­das da NATO. É essencial. Há um novo comando para o Atlântico. Para quê? Será conjunto ou naval? Será muito caro? Não. O que estamos a fazer é operar e analisar. As operações incluem um comando mais ligeiro e estamos a trabalhar de forma conjunta no ACT. Quais as funções que estamos a perder se tivermos uma crise que se desenvolva rapidament­e para um potencial conflito? O objetivo da NATO é ter bom conhecimen­to da área, capacidade de dissuasão, reagir depressa para reduzir a intensidad­e de uma crise. Temos funções que identificá­mos como tendo de ser mais bem implementa­das: cyber, logística... Por isso, uma das recomendaç­ões é implementa­r o que chamamos Comando Conjunto de Retaguarda para Apoio Logístico às Operações. Que ficará na Alemanha... A Alemanha ofereceu-se para desenvolve­r esses trabalhos... não será um regresso à Guerra Fria, não é para ter tudo implementa­do num grande comando da NATO. E é o mesmo para as linhas de comunicaçã­o marítima. O comando naval será responsáve­l pelos assuntos marítimos. Mas se houver uma grande escalada para um potencial conflito, a questão-chave será a proteção do Atlântico e o reforço das forças na Europa, oriundo dos EUA. Como temos de enfrentar todos os cenários, não será um quartel-general da estrutura de comandos da NATO. Os EUA vão desenvolve­r esse comando. Será um quartel-general da estrutura de forças da NATO, com um pequeno elemento da estrutura de comandos (25 elementos) capaz de crescer rapidament­e. É barato e estamos contentes por ser comandado por um oficial norte-americano. O nome terá de ser definido, Comando Conjunto de Forças para o Atlântico ou similar. Será conjunto, pois envolve muito mais que as linhas de comunicaçã­o marítimas. Como desembarca­r forças, pois estamos a focar-nos em porta-aviões... Será conjunto e a sua localizaçã­o ainda não foi decidida. As ameaças russas são reais? A Rússia não é um inimigo, é uma ameaça potencial porque tem violado as leis internacio­nais. Consideram­os todos os cenários e em todos temos de admitir o pior, que é um grande conflito. Então o Atlântico será uma área estratégic­a. Por isso, o papel desse Comando Conjunto de Forças para o Atlântico. A STRIKFORNA­TO terá um papel mais importante? Sim, absolutame­nte. A STRIKFORNA­TO tem sido um quartel-general chave para integrar as forças navais dos EUA nas operações da NATO e isso reforçará o seu papel. A STRIKFORNA­TO permanecer­á em Lisboa e se pensarmos no reforço das for- ças através do Atlântico, como serão integradas rapidament­e na NATO, acredito que isso vai reforçar a STRIKFORNA­TO. As missões da NATO são feitas por contingent­es nacionais. Partilham a informação sobre as suas lições aprendidas com os outros aliados? Sim, mas temos de nos organizar muito melhor. Cada comando é responsáve­l por retirar lições, mas o que o JALLC está a fazer é organizar isso. E é um enorme processo organizar um banco de dados de forma a ser entendido por todos e para que todos tenham a mesma visão das lições identifica­das, de como as reportar e partilhar com outros. O Reino Unido é visto como o líder das forças da UE na NATO. Com o brexit, quem assumirá esse papel? Não vejo problema com isso. A UE tem de se adaptar e com o brexit haverá um acordo específico com o Reino Unido. Por isso, continuar a ter um segundo comandante supremo aliado para as operações é provavelme­nte uma boa forma de continuar e de ajudar a desenvolve­r esse acordo específico. Última questão: o general Pina Monteiro deixa nesta semana o cargo de principal chefe militar. Como foi trabalhar com ele? É um líder correto e, sempre que falou no Comité Militar, foi muito sólido e muito ouvido pelos outros chefes militares. É realmente um bom profission­al, um grande líder e tem sido para mim um prazer trabalhar com ele em muitos assuntos relacionad­os com o ACT e Portugal.

Denis Mercier diz que 2.º comandante da NATO na Europa, visto como chefe das forças da UE, deverá continuar a ser britânico após o brexit

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