Diário de Notícias

Em 1917, Marcel Duchamp colocou um urinol invertido numa galeria de arte e disse que o que faz uma obra de arte é a intenção do artista

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em objetos artísticos, o que esta exposição faz é o caminho inverso: pega nesses objetos artísticos e volta a pô-los numa casa, uma casa imaginada numa galeria mas ainda assim uma casa. “Foi assim que esta exposição foi construída: pensei nos vários espaços da casa e fui à procura do que podia pôr em cada um deles.”

E, na verdade, foi muito fácil encontrar obras para pôr em todos os recantos de uma casa. Sejam as portas de entrada de Doris Salcedo (La CasaViuda, 1995), o telefone de Dalí (White Aphrodisia­c Telephone, 1936), o biombo de Mona Hatoum que é na verdade um ralador gigante (Great Divide, 2002), a vassoura de Man Ray (French Ballet, 1956), o chuveiro de Hadassa Goldvicht (Honey, 2005), a cama de Louise Bourgeois (Arched Figure, 1993) ou os pombos de Maurizio Cattelan (Tourists, 1998). No total, a exposição tem mais de 110 peças, das quais 70 são do Museu de Israel, 30 pertencem à Coleção Berardo, dez foram cedidas pela Coleção Elipse e as restantes pertencem a outras coleções. Uma exposição feminista Mas voltemos ao início: em 1917, Marcel Duchamp apresentou um urinol invertido numa galeria de arte e causou uma revolução. Não era a primeira vez que usava objetos comuns, já o tinha feito no seu estúdio, mas era a primeira vez que os apresentav­a em contexto de galeria. “O que ele está a dizer é que não é o trabalho manual do artista que define uma obra de arte, pode ser apenas a escolha de um objeto ou a intenção com que o artista coloca o objeto num determinad­o lugar que o transforma numa obra de arte”, explica Adina Kamien-Kazhdan. “O que a arte faz é mudar a perspetiva com que olhamos para as coisas. Faz-nos reparar em algo que não tínhamos reparado.”

Este ato revolucion­ário influencio­u toda a arte contemporâ­nea, direta ou indiretame­nte. Isso mesmo admitiu João Pedro Vale, autor de Can IWashYou? (1999), uma das duas obras de artistas portuguese­s que integram a exposição (a outra é Ciclo:Vestígio. A Ciência do Excesso, 1998, de José Barrias).

“Com estas obras, os artistas quiseram levantar várias questões importante­s, como, por exemplo, a discrimina­ção, o trabalho doméstico, a vida em família, o género”, salientou a curadora. E, tratando-se de uma reflexão sobre o espaço doméstico, esta não podia deixar de ser uma exposição feminista – vejam-se, só a título de exemplo, as peças de Hannan Abu-Hussein (I/She,Woman, Female,Whore, Pride, 1988), de Martha Rosler (Semiotics of the Kitchen, 1975), ou Rachel Lachowicz (Lipstick Urinals, 1992). É impossível falar da casa sem questionar a condição da mulher.

Esta é uma exposição com várias camadas de leitura – que tanto pode ser apenas divertida como pôr-nos a questionar a sociedade – e também por isso se aconselha uma vista de olhos ao catálogo, feito em parceria com o IKEA e em tudo semelhante a um catálogo da loja. A intimidade, o voyeurismo, as relações familiares, o poder, são muitos os temas aqui abordados. Afinal, como já dizia Dorothy, a menina de sapatos vermelhos que perseguia os seus sonhos no filme O Feiticeiro de Oz (1939), não há lugar como a nossa casa.

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