Sinais de vida numa democracia frágil
A22 de fevereiro ocorreram em Portugal dois acontecimentos que ilustram a mensagem contida no título deste artigo: a nossa democracia ainda não foi devorada pelo vírus populista, mas há evidentes sintomas da sua fragilidade e é incerto o destino dos sinais de vitalidade que contra eles se erguem. O primeiro acontecimento do dia 22, onde a vitalidade parece corrigir a fragilidade, consistiu num invulgar encontro em Loulé que reuniu 12 presidentes de câmaras (incluindo o malogrado Carlos Silva e Sousa, edil de Albufeira, que travou nesse dia o seu último e generoso combate cívico), a Região de Turismo do Algarve, associações empresariais, ONG, entre outras entidades. O resultado do conclave traduziu-se numa tomada de posição pública e fundamentada contra a decisão do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, de prolongar o contrato de pesquisa de petróleo do consórcio ENI/Galp ao largo de Aljezur até ao final de 2018. Quem estudar o labiríntico e sigiloso dossiê das concessões de prospeção de combustíveis fósseis conferidas por sucessivos governos lamentará a incompetência desses contratos na defesa do interesse público e da segurança ambiental. O lesivo e tradicional modelo de lucros privados, prejuízos públicos, mantém-se. Quem julgar que a entrada em cena da “geringonça” mudou alguma coisa ficará surpreendido por verificar que o governo Costa fechou os olhos e os ouvidos, apesar da recusa unânime do anunciado furo de prospeção a 40 km ao largo de Aljezur, tanto na consulta pública TUPEM (Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo) como na auscultação direta aos municípios. Nenhum governo deve desprezar a voz de uma região inteira, seja por via dos 40 mil cidadãos que se manifestaram pessoalmente na consulta pública, seja através dos seus autarcas eleitos. Prolongar a concessão significa não compreender o perigo e a perturbação para o país se fossem encontradas reservas de petróleo na costa algarvia e alentejana. Todos nos lembramos como o acidente de 2010 na plataforma Deepwater Horizon da BP, a 66 km da costa da Louisiana, provocou o maior derrame de crude da história, afetando ainda hoje o ambiente e a economia de cinco estados norte-americanos do golfo do México. O governo Costa ainda não percebeu que não é possível, ao mesmo tempo, aplaudir a galinha de ovos de ouro do turismo e da sustentabilidade ambiental, e depois negociar com as raposas que querem pilhar o galinheiro.
Também no dia 22 foi eleito o novo presidente do grupo parlamentar do PSD. Fernando Negrão recebeu apenas 35 dos 88 votos expressos. Como se ninguém estivesse a olhar, 53 deputados do PSD receberam à pedrada o novo presidente do partido, sendo Negrão atingido como vítima colateral. Passos Coelho saiu de cena, mas deixou o terreno que Rui Rio vai pisar pejado de minas e armadilhas. Este voto cobarde, de quem não tem coragem para dar a cara na luta eleitoral, e a coberto da noite calada do voto secreto comete autofagia partidária, revela bem como o nosso sistema eleitoral se tornou inimigo da democracia representativa. Na sua rebeldia anónima e preguiçosa, esses deputados do PSD revelam a fragilidade moral mais vasta da partidocracia que coloniza a Constituição. Muitos deputados não se sentem responsáveis perante os seus eleitores, nem sequer o simulam. Respondem apenas aos chefes de fação que os colocam num lugar elegível. Este é um sistema endogâmico que seleciona demasiados tribalistas sem mérito. Uma doença que mata a confiança, atingindo o próprio coração da representação democrática.