Diário de Notícias

A doença dos dedinhos

- FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

Quem olha um bebé já se deu conta: ele olha com atenção as próprias mãos! Pudera, vão ali passar-se, em breve, coisas extraordin­árias... Como o bebé adivinha, não sei. Mas das coisas extraordin­árias que ele adivinha sei, e até sei porquê: acabei de ler o jornal

The Guardian e ele contou-me tudo… Breve momento de agradecime­nto: oh, como os jornais me têm ensinado tanto! Voltando às mãos dos verdes anos: elas já não são as mesmas. Importante­s pediatras disseram ao jornal britânico que as criança chegam à escola sem uma imprescind­ível pré-escola da vida. Antes, havia o cortar papéis, colar cromos, alinhar cubos da Majora, empurrar carrinhos Matchbox ou Dinky Toys, saltar à corda e, sobretudo, esse ensinament­o crucial da humanidade: o esticar da fisga. Dizia-se brincar, mas era mais: as crianças trabalhava­m o corpo, mais exatamente as mãos, para enfrentar a vida. E quando chegavam à escola vinham preparadas para segurar um lápis. Hoje, já não chegam: “As crianças não têm a mão com a força e destreza de há dez anos”, lamentam os médicos. Antes, ensinava-se facilmente um miúdo a pousar o lápis num tripé mágico – polegar, indicador e dedo médio – que conduzia a ponta do lápis para o á-bê-cê, palavras, histórias, emoções... Era a consequênc­ia de um milagre programado, que treinara os ossos e os músculos de carpo, metacarpo e falanges, dando-lhes força e precisão. Hoje, porém, os ecrãs táteis de telefones e tablets acabaram com essa aprendizag­em e as crianças chegam à escola incapazes de segurar um lápis como deve ser. Uma sala de aula moderna parece um restaurant­e americano com canhestros a segurar um garfo como quem espeta um pau pontiagudo no coração do vampiro. E as escolas têm uma disciplina suplementa­r: a de reprograma­ção dos ossos e dos músculos da mão. Pensando bem, acho que os bebés que olham as mãos estão a dizer para s seus botões: lá vou eu pagar um esforço a mais por causa da preguiça dos meus pais...

A crónica Um Ponto É Tudo regressa a este espaço a 7 de março.

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