A doença dos dedinhos
Quem olha um bebé já se deu conta: ele olha com atenção as próprias mãos! Pudera, vão ali passar-se, em breve, coisas extraordinárias... Como o bebé adivinha, não sei. Mas das coisas extraordinárias que ele adivinha sei, e até sei porquê: acabei de ler o jornal
The Guardian e ele contou-me tudo… Breve momento de agradecimento: oh, como os jornais me têm ensinado tanto! Voltando às mãos dos verdes anos: elas já não são as mesmas. Importantes pediatras disseram ao jornal britânico que as criança chegam à escola sem uma imprescindível pré-escola da vida. Antes, havia o cortar papéis, colar cromos, alinhar cubos da Majora, empurrar carrinhos Matchbox ou Dinky Toys, saltar à corda e, sobretudo, esse ensinamento crucial da humanidade: o esticar da fisga. Dizia-se brincar, mas era mais: as crianças trabalhavam o corpo, mais exatamente as mãos, para enfrentar a vida. E quando chegavam à escola vinham preparadas para segurar um lápis. Hoje, já não chegam: “As crianças não têm a mão com a força e destreza de há dez anos”, lamentam os médicos. Antes, ensinava-se facilmente um miúdo a pousar o lápis num tripé mágico – polegar, indicador e dedo médio – que conduzia a ponta do lápis para o á-bê-cê, palavras, histórias, emoções... Era a consequência de um milagre programado, que treinara os ossos e os músculos de carpo, metacarpo e falanges, dando-lhes força e precisão. Hoje, porém, os ecrãs táteis de telefones e tablets acabaram com essa aprendizagem e as crianças chegam à escola incapazes de segurar um lápis como deve ser. Uma sala de aula moderna parece um restaurante americano com canhestros a segurar um garfo como quem espeta um pau pontiagudo no coração do vampiro. E as escolas têm uma disciplina suplementar: a de reprogramação dos ossos e dos músculos da mão. Pensando bem, acho que os bebés que olham as mãos estão a dizer para s seus botões: lá vou eu pagar um esforço a mais por causa da preguiça dos meus pais...
A crónica Um Ponto É Tudo regressa a este espaço a 7 de março.