“O CDS não deve contribuir para um governo deste PS”
Quase em vésperas do congresso, o líder parlamentar do CDS diz que é preciso o PSD de Rui Rio trabalhar para uma maioria de 116 deputados. E com ela, sim, afastar a esquerda do poder. Ao contrário do presidente social-democrata, não acredita que António Costa esteja disponível para consensos, preso que está ao PCP e ao BE. Mudou muita coisa nestes dois anos. As expectativas que tinha para Assunção Cristas confirmaram-se? Há dois anos dei várias entrevistas e quase 60% das perguntas eram se achava ou não que a Assunção estava preparada tendo em atenção que não tinha grande experiência política, se o CDS era um partido de um homem só e, portanto, se iria sofrer com a saída de Paulo Portas, se nós teríamos capacidade ou não de nos entender. O melhor exemplo do excelente mandato da Assunção é que essas perguntas nunca mais ninguém fez, por uma razão muito simples, porque hoje são absurdas. A moção da líder coloca o CDS na matriz de centro-direita. É uma tentativa de ganhar votos ao centro? Não, o CDS há muito que se afirma como partido de centro-direita, mas não tem medo de dizer que é de direita, eu não tenho medo nenhum de dizer que sou de direita democrática, evidentemente. E onde é que fica a democracia cristã fundadora do partido? É a matriz, o CDS é um partido democrata cristão com inspiração de correntes conservadores e liberais. As pessoas querem soluções pragmáticas para matérias pragmáticas, quer isto dizer que morreram as ideologias? Não. O que eu quero dizer é que não há pessoas ideologicamente puras. Se me pergunta “é um democrata-cristão?”, nalgumas coisas, noutras sou mais conservador, noutras sou mais liberal. Tem havido mais pragmatismo, que é também um lema de Assunção Cristas? A Assunção tem sido uma pragmática, mas tem sido tributária de ideologia do CDS e da matriz democrata cristã. Se quiser eu dou-lhe o sound bite, acho a Assunção mais democrata cristã do que eu, mas estou muito confortável [risos]. Que grandes apostas vão sair do congresso? Há uma frase em futebolês que diz que na equipa que ganha não se mexe. A Assunção tem feito o que ela chama de oposição firme, mas pela positiva . Quer dizer que, a cada crítica, deve ser apresentada uma proposta alternativa, uma solução e que devemos denunciar o que está mal – e está muita coisa mal e temos denunciado coisas que estão muito mal em áreas como a saúde, a educação, a Segurança Social, as forças de segurança. Mas também introduzir temas para o futuro, estou a falar de envelhecimento ativo, demografia, proteção de idosos, maus-tratos a idosos. O CDS tem dito que há um país por trás do défice, a funcionar mal nos serviços públicos, nas forças de segurança, na saúde e nas escolas. Se as coisas não correm bem, porque se mantém o nível de popularidade deste governo? Houve uma recuperação e reposição do rendimento, as pessoas obviamente vão muito pela questão do bolso, da carteira –, reposição que em nada separa este governo do anterior, apenas o ritmo –, o que explica a popularidade. Mas este governo tem feito uma austeridade quase idêntica à outra e que vai à qualidade dos serviços públicos. Quando cortam um determinado rendimento afeta todos. Quando se faz que não haja consultas, afeta apenas quem recorre. Mas há mais pessoas a perceber este truque do governo. O resultado que Assunção Cristas teve em Lisboa foi central para a legitimação da sua liderança? Acho que não. A Assunção teve, em primeiro lugar, a inteligência de unir e congregar; em segundo lugar, e é bom não esquecer, teve também excelentes – leia-se o partido –, muito bons resultados eleitorais nos Açores. O resultado em Lisboa, se quiser, é emblemático e foi uma aposta de risco porque na verdade se não tivesse um bom resultado poderia estar a sua própria liderança em causa. Ela mostrou ambição, determinação e coragem, e eu acho que isso na política, cada vez mais, é algo que as pessoas reconhecem. Já falou com o novo presidente da bancada do PSD? Já, várias vezes. O que irá mudar no relacionamento entre bancadas com a entrada de Fernando Negrão? Acho que nada. Tive uma relação extraordinária, exemplar, com o Luís Montenegro, tive muito boa relação também com o Hugo Soares e conheço há muitos anos também o Dr. Fernando Negrão. São pessoas diferentes, mas estou convicto de que iremos manter a boa relação. A instabilidade na bancada do PSD que foi pública e notória poderá comprometer a frente de direita que o CDS tanto pede para combater a frente de esquerda? O que nós dizemos é muito claro: que é preciso uma maioria de 116 deputados para que possa haver um novo governo com uma nova abordagem. Portanto, é preciso que o CDS faça o seu trabalho, e é isso que nós estamos a fazer. E é também preciso que o PSD o faça. Foi eleito presidente da bancada com que percentagem de votos? Da última vez com embaraçosos 100%. Se tivesse sido eleito com a mesma percentagem de Fernando Negrão, 32%, assumiria a liderança do grupo? Depende, mas isso, essa avaliação, cabe ao Fernando Negrão. Não sei os compromissos, as conversas que teve, a avaliação que ele faz do prejuízo que poderia causar ao partido. Para mim, o valor de sentido de missão e de pôr o partido acima até dos meus interesses pessoais é um valor que respeito. O que é que espera ver de diferente na liderança de Rui Rio em relação à de Pedro Passos Coelho? São personalidades diferentes, são pessoas diferentes, mas o que espero, para termos a tal maioria de 116 deputados, é que seja também competente. A PAF ganhou as eleições, não é? O estender da mão de Rui Rio ao governo, para negociar os acordos de regime, não é uma maior dificuldade para se afirmar na oposição? Não sei. O CDS tem procurado consensos. Quem sempre bateu com a porta na cara do CDS foi o PS, foi este PS. É minha perceção que o dr. António Costa e este PS não estão minimamente interessados em qualquer tipo de consenso à sua direita porque estão excessivamente presos à sua esquerda. Não é a perceção do dr. Rui Rio, muito bem, é uma opção. Adescentralizaçãoeaquestãodosfundos comunitários são os acordos mais fáceis?
O líder parlamentar do CDS diz esperar que a descentralização seja para combater a desertificação, a solidão e reforçar o poder das câmaras municipais Assunção já disse que o partido concorrerá sozinho a europeias e legislativas e vai bater-se para haver uma maioria de 116 deputados de centro-direita
Provavelmente. Espero que a descentralização não seja uma espécie de guerra norte-sul nem litoral e interior e que seja de facto para combater a exclusão, para combater a desertificação, para combater a solidão, reforçando o poder das câmaras municipais mas dando-lhes também meios para isso. E espero que os fundos, que são muitos importantes, que essa negociação seja o mais abrangente possível. Acrescento uma terceira: a das grandes obras públicas. Nestas questões o CDS está disponível para apoiar o PS? Não, nós não sabemos ao que o PS vem, o PS já sabe ao que o CDS vem. Apresentámos um projeto de 20 páginas, quando o PS provocou aqui a discussão, com 20 páginas onde dissemos o que queríamos. Nós fazemos o trabalho de casa, o PS é que vai sempre a apregoar consensos no ar, uma palavra que depois na prática não é consequente, mas enfim, está a tempo de mudar de postura, vamos a isso. O CDS já disse que vai sozinho às europeias. Isso vai acontecer também com as legislativas ou ainda pode haver um acordo pré-eleitoral com o PSD? As declarações da presidente do partido, e com as quais eu concordo, são claras, no sentido em que o CDS irá concorrer sozinho quer nas europeias quer nas próximas eleições legislativas, lá está, com o objetivo de atingir os 116 deputados, essa maioria de centro-direita. E o CDS estará disponível, tal como Rui Rio, para viabilizar um governo minoritário do PS para afastar as esquerdas do poder? Essa questão não foi discutida no partido, mas vou dar a minha opinião: com este PS, não! O PS não virou à esquerda apenas por uma questão prática de entendimento com PCP e Bloco de Esquerda, virou do ponto de vista ideológico. Com este PS manifestamente não vejo possibilidade de haver minimamente um governo ou uma solução governativa mesmo que passasse por um apoio parlamentar minimamente coeso com o CDS. É isso que defenderei em congresso, que o CDS não deve contribuir para um governo do Partido Socialista, deste PS do Dr. António Costa. Então não colhe para si o argumento usado por Rui Rio de que será do interesse nacional afastar a esquerda mais à esquerda? Se tivermos uma maioria de centro-direita de 116 deputados isso resolve-se. Depois os portugueses tiveram a sapiência de dar, e é um recordar isso, uma maioria, não absoluta, mas uma maioria ao centro-direita nas últimas eleições e é para isso que devemos trabalhar. Depois o CDS está, como sempre esteve nas grandes questões nacionais, disponível para ajudar o país, agora não creio que ajude o país um governo feito de interesse puramente político-partidário. No debate quinzenal tem sido notória a irritação que a líder do CDS provoca em António Costa... Não sei se é porque a Assunção é incisiva e prepara-se bem e tem propostas que um político tão competente, tão experiente, tão hábil do ponto de vista parlamentar manifestamente se irrita com a Assunção. Não quero acreditar que seja por uma questão machista, mas não fica bem ao Dr. António Costa. Só é uma prova da eficácia da oposição da Assunção Cristas. Também é um reconhecimento de que a líder do CDS é quem assume a oposição no próprio plenário ? Acho que sim. Todos nós recordamos aqueles debates muito acesos entre Paulo Portas e José Sócrates, se calhar daqui por uns anos vamos estar a recordar os debates muito acesos entre Assunção Cristas e António Costa. O governo tem apresentado bons resultados económico-financeiros e quebra de desemprego. Como vai o CDS convencer as pessoas de que, de facto, há problemas noutras áreas? Os números do ponto de vista financeiro e económico são bons, mas a que custo e a que preço esses números? E podíamos estar a crescer mais? Toda a União Europeia está a crescer mais do que Portugal. É preciso explicar às pessoas a que preço destes resultados económicos são à custa de serviços públicos essenciais, de funções essenciais do Estado. Na saúde, o que se passa é absolutamente vergonhoso, a ponto de pedirem às pessoas, aos utentes, para levarem roupa, lençóis para os hospitais. O adiamento de cirurgias, de consultas porque não se paga aos fornecedores. Nas forças de segurança, vemos os responsáveis, os oficiais, dizer que estão, que a situação é pior do que nos anos da troika. Na educação temos escolas que não abrem num dia ou no outro porque não há auxiliares suficientes, porque não há aquecimentos e está demasiado frio. Os portugueses contentam-se com poucochinho? São um povo de uma resiliência extraordinária, de uma alma extraordinária, de uma capacidade e de uma coesão extraordinária, que demonstraram de uma forma muito clara durante o período da troika. Se calhar devem ser mais exigentes quando as coisas estão melhores. Como vê o CDS toda a pressão da esquerda sobre a legislação laboral? A legislação laboral vai ser o problema desta maioria e, se o for, vai ser um problema do país porque, lá está, pode não só comprometer o crescimento. A forma como este governo tem desprezado a concertação social é o pior erro, e repare que este PS – está a ver como virou assim tanto à esquerda como eu digo? – está a sacrificar a UGT para manter o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP. Do CDS terá uma oposição muito firme e uma denúncia muito clara se isso acontecer. Mas este tem a vantagem de ter os sindicatos sossegados... por via do apoio da esquerda. .. Não seria tão cínico a ponto, como alguém me dizia, de o segredo do sucesso desta maioria é porque o PCP controla as ruas e o BE a comunicação social. O CDS promoveu na semana passada um debate de atualidade sobre segurança. Houve perguntas importantes que ficaram por responder? Absolutamente todas. As forças de segurança vão ou não ter finalmente matérias resolvidas, algumas delas que nem custam dinheiro, como a lei sindical ou o estatuto remuneratório? Vão ter mais efetivos? Este governo tem uma contabilidade muito criativa, porque diz que há mais 600 homens na GNR, mas passam só da territorial para o combate aos incêndios. Há suficiente organização dos bombeiros para combater a próxima época de incêndios? Os planos de segurança do aeroporto vão ou não ser executados? Houve uma recomendação ao governo da Assembleia sobre isto, e nada. Finalmente, os metadados para os serviços de informações vão ou não ser regulamentados? Este assunto traduz um bom exemplo do que tem sido esta legislatura. Há uma lei aprovada, graças a uma iniciativa do CDS, e o que é que acontece a seguir? BE e PCP pedem a fiscalização da constitucionalidade e o que é que faz o governo? Interesse nacionalvs. interesse de coligação? Interesse de coligação. Não regulamenta. Acredita que, tal como disse ao DN o presidente do Sindicato dos Oficiais da PSP, a polícia esteja pior do que nos piores anos da troika? As queixas são aterradoras, de carros que estão parados três, quatro dias porque não há gasolina, de reparações simples de automóveis que não são feitas porque não há dinheiro, de coletes à prova de bala que o Estado português adquiriu em 2003 para o Euro 2004 e que não são renovados, da enorme desmotivação… Mas, lá está, uma enorme resiliência, vejo uma enorme determinação, uma enorme desilusão e uma enorme preocupação nas forças de segurança, e isso preocupa-me. O facto de Portugal continuar a ser um dos países mais seguros do mundo esvazia o debate? Há muitos pruridos, muitos preconceitos em matéria de segurança. É verdade que Portugal é um dos países mais seguros da Europa, mas perante isto há duas atitudes: achar que tudo isso se mantém sem nada fazer ou procurar manter, sendo proativo. Somos pela segunda opção. A esquerda tem um problema com a segurança e com as polícias, que vem desde o ex-ministro da Administração Interna António Costa. O CDS está esclarecido em relação à auditoria arquivada, com suspeitas de crimes, pela direção do SEF? Nem o CDS nem ninguém. Tenho grande estima pelo SEF, pelo seus profissionais, mas, infelizmente, estamos a assistir ao princípio do fim do SEF.
“O PS não virou à esquerda apenas por uma questão prática de entendimento com PCP e BE, virou do ponto de vista ideológico” “A legislação laboral vai ser o problema desta maioria e, se o for, vai ser um problema do país” “A esquerda tem um problema com a segurança e com as polícias”