Diário de Notícias

O nu e o sexo em Modigliani

Uma das marcas da curta carreira de Amedeo Modigliani no mundo da arte são os nus femininos que pintou. Doze deles estão reunidos numa das onze salas da exposição que a Tate Modern, de Londres, acolhe até ao princípio de abril, e que é a maior por terras

- Manuel Queiroz, POR em Londres

Em 1902, com 18 anos, Modigliani, nascido em Livorno de uma família de judeus sefarditas com antepassad­os em Portugal e Espanha, frequentav­a, na Escola das Belas Artes de Florença, a Scuola Libera del Nudo (Escola Livre de Estudos de Nus), a mais velha do mundo (vem do Renascimen­to) – é da tradição italiana o desenho da figura humana. Fez mais formação, encontrou muitos artistas quando se mudou em 1906 para o modernismo de Paris (Picasso, Cocteau, por exemplo) mas desenhar pessoas concretas, vestidas ou como vieram ao mundo, tornou-se uma especialid­ade. Algumas vezes até desenhou outros artistas mais endinheira­dos que lhe pagavam e o ajudavam a sobreviver. Os seus trabalhos ganharam muito valor com o tempo – o Nu couché valeu 170 milhões de dólares em 2015 – e se nem todos os críticos o consideram um dos chosen few, a verdade é que a sua obra é forte. Porquê? “Sexo. Os seus nus são escaldante­s. Há pessoas que não gostam de arte mas adoram os seus nus. E há erotismo até nas suas mulheres vestidas e que fazem que as queiras despir.” A resposta é de Alison de Lima Green, curadora do Museu de Belas-Artes de Houston. É possível.

Os nus de Modigliani são femininos e, diz o catálogo desta mostra, têm a particular­idade, nova para a época, de serem frontais e com pelos púbicos (normalment­e não se desenhavam) – diz-se que foi por causa dessa liberdade que a sua única exposição a solo, em 1917, foi fechada pela polícia no primeiro dia. Nesse princípio do século a figuração de nus estava a tornar-se popular mas, já uns anos antes, o austríaco Egon Schiele se aventurara a apresentá-los mais provocante­s, também com pelos púbicos, a tocarem-se – era o corpo, mais a sexualidad­e.

Os de Modigliani têm a sua própria linha. O Nude on a divan ou o Reclining Nude on a White Cushion lá aparecem com os pelos púbicos, a Elvira que aparece vestida e nua, a La belle romaine, são exercícios de um realismo carnal que deve ter provocado, de facto, um choque nesse tempo. Por aquela altura, em 1916-17, a mulher começava a tornar-se mais independen­te e os modelos que posa- vam eram pagas bem melhor do que nos empregos tradiciona­is. Jeanne Hébuterne, a sua última mulher (e que se suicidou dois dias depois da morte de Amedeo – a filha de ambos, com 14 meses, sobreviveu e foi educada pelos pais de Jeanne), também aparece muito na exposição, como também Beatrice Hastings, editora e poeta que foi amante do fogoso Amedeo, dado ao sexo, ao álcool e às drogas.

Mas nem tudo se resume à nudez. As salas enchem-se de desenhos de pessoas, os seus próprios marchands, por exemplo, ou o Petit paysan (1916, quando estava no Sul de França), ou os seus autorretra­tos – aquele que abre a mostra e em que aparece como o palhaço Pierrot, o outro, já da parte final da sua vida, artista confiante e com a paleta na mão direita. Modigliani chegou a declarar-se escultor, mas a sua saúde não lhe dava tréguas e trabalhar a pedra era mais caro. Mas as novas cabeças, muito influencia­das pela arte africana, são uma das partes mais elegantes do que se vê na fascinante Tate Modern. A Tate entra na realidade virtual Nancy Ireson, uma das curadoras de arte da Tate Modern, diz que é “passar mais uma fronteira”. A diretora de Conteúdos Digitais da galeria sublinha que com esta realidade virtual “se ganha uma noção que só a ver as obras não é possível ter”. De facto, uma das atrações desta exposição de Modigliani é a experiênci­a de realidade virtual proporcion­ada na sala 10. Nos visitantes são aplicados aqueles óculos VR hoje tão em voga e onde pode ver a recriação do estúdio em Paris, o único que teve e que lhe foi proporcion­ado pelo seu último marchand, Léopold Zborowski, que ele aliás pintou várias vezes. Foi ali, no Ochre Atelier, que viveu os últimos tempos da sua vida, entre 1919 e 1920, na Rue de la Grande Chaumière, à beira de Montparnas­se. A saúde era fraca e Modigliani tinha estado a viver no Sul de França, com melhor clima para as suas muitas doenças, mas a guerra tinha acabado e Paris começava a ter nova vida. É provável que tenha pintado neste Ochre Atelier o seu grande autorretra­to.

O que nos é dado a ver em cinco minutos é um pequeno estúdio, com o pormenor de haver uma janela aberta e, se movermos a cabeça, podemos descortina­r mais do que há para lá (as chaminés de fábricas, por exemplo). É uma divisão única, modesta, com um balde onde cai água do teto, uma cama, uma cadeira, e objetos como um pacote de cigarros ou uma lata de sardinhas que, diz a Tate, foram cuidadosam­ente estudados e validados por uma equipa da galeria, do Metropolit­an Museum de Nova Iorque e do Museu de Arte Contemporâ­nea de São Paulo. Estudaram o tipo de materiais usado por Modigliani, quer nas tintas quer nas superfície­s em que desenhou e pintou para ser mais verosímil. A HTC Vive e a Preloaded foram as empresas parceiras das questões técnicas e tem sido um sucesso.

Modigliani Tate Modern, Londres até 2 de abril de 2018 bilhetes a 19,70 libras

 ??  ?? Nu Sentado, de 1917, é uma das obras expostas na Tate Modern
Nu Sentado, de 1917, é uma das obras expostas na Tate Modern

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal