Formações políticas brasileiras, tal como acontece nos clubes de futebol, têm um mês para contratar deputados que, tal como os futebolistas, optam por aquela que for a melhor oferta pelo seu passe
JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo A partir de quarta-feira e até dia 6 de abril, quando faltarem exatamente seis meses para as eleições de outubro, entrará em vigor o mercado de transferências de deputados e senadores no Brasil. Os partidos querem engordar as bancadas, porque isso traduz-se em mais fundos eleitorais e em mais tempo de antena , e os parlamentares querem engordar as contas bancárias, com ofertas que costumam ir dos 250 aos 700 mil euros em dinheiro, além de cargos nas estruturas partidárias.
Uldorico Junior, deputado que pensa em “renovar contrato” com o Partido Verde, falou abertamente à reportagem do jornal Folha de S. Paulo sobre o balcão de negócios. “Todos os partidos falam ‘vem para cá’, ‘vem para cá’, toda a gente escuta muitas sondagens, até para medir o que vem de cada lado, mas eu primeiro vou ouvir o meu partido, ainda não sei o que me vai dar, como vai ser.”
Segundo Uldorico, os partidos mais compradores, espécie de Paris Saint-Germain ou Manchester City de Brasília, são o Partido Progressista (PP), o mais envolvido na Operação Lava-Jato, e o Partido da República (PR), liderado por um preso no mensalão. “O Ciro Nogueira [presidente do PP] e oValdemar Costa Neto [presidente do PR] são os caras mais profissionais”, diz o deputado. No Congresso fala-se que essas duas forças, e o Partido Trabalhista Brasileiro, do delator do mensalão Roberto Jefferson, chegam a valores perto dos tais 700 mil euros, além de oferecerem ao deputado cargo no diretório do partido no seu estado de origem e, nalguns casos, mensalidades.
O Democratas, do presidente da Câmara dos Deputados e pré-candidato ao Planalto Rodrigo Maia, foi o grande vencedor da última janela de mercado ao ampliar a sua bancada de 21 para 33 deputados – talvez por isso não divulga hoje os valores que oferece. O Movimento Democrático Brasileiro, do presidente da República Michel Temer, estipulou cerca de 400 mil euros por deputado e 500 mil por senador disposto a integrar as suas fileiras.
O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), por sua vez, podem ser os principais prejudicados da janela de transferências: por terem candidatos próprios às presidenciais (Lula da Silva ou outro, no caso do PT, e Geraldo Alckmin, no caso do PSDB), já vão investir muito dinheiro nessas campanhas. Nilson Leitão, líder da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados, está por isso inconformado com o mercado de transferências: “Deputado virou mesmo jogador de futebol, tem passe e tudo, quem der mais leva, eu já deixei claro o seguinte: quem quiser sair por dinheiro que saia logo.”
Um entendimento parecido com o de Sílvio Costa, deputado do Avante: “Há passe, luvas por assinatura, mesada, é igual a jogador de futebol.” “Ideologia? É tudo dinheiro”, acrescenta Marcus Pestana, do PSDB. “É mercado, depende de quanto paga, né?”, resigna-se o presidente do Solidariedade Paulinho da Força. “Como o candidato tem mais votos do que o partido, o candidato procura fortalecer-se, e fortalecer-se significa dinheiro”, explica Bonifácio de Andrada (PSDB), de 87 anos, descendente de parlamentares ainda das Cortes de Lisboa. Antonio Imbassahy, outro membro do PSDB e até há pouco integrante do governo Temer, explica o valor de mercado dos deputados: “Os partidos observam a cena geral, analisam as questões locais, para saber a força do parlamentar na sua região de origem, e depois o dinheiro disponível no partido antes da oferta.”
Apesar de feroz no mercado, o PP também deve contabilizar saídas. Ao jornal O Estado de S. Paulo, um deputado anónimo do partido explicou que já decidiu trocar, que procurou na sequência dirigentes das siglas com quem tem mais afinidade, que ouviu as propostas financeiras e que avalia agora se opta pelo Partido Humanista da Solidariedade ou pelo Partido da Social Democracia.
A infidelidade partidária é uma tradição antiga da política brasileira: existiu sem prazos nem janelas até 2007, quando o Tribunal Superior Eleitoral tentou proibir a prática, mas continuou a existir graças a brechas legais até 2015, quando se fixou um mês do ano eleitoral para as transferências. O dinheiro envolvido nos negócios, todo público, vem dos fundos eleitoral – em torno de 450 milhões de euros distribuídos pelos partidos – e partidário – com verbas à volta de 250 milhões de euros. Neste ano, pela primeira vez, estão proibidas doações de empresas a candidatos, como consequência da Operação Lava-Jato.