Diário de Notícias

“Realidade portuguesa não é pior do que a que vivi na FIFA”

Poiares Maduro coordena curso de verão sobre governação desportiva, que “não acompanhou a crescente importânci­a do desporto”

- RUI FRIAS

Há uma imagem que Miguel Poiares Maduro gosta de utilizar para caracteriz­ar o contraste entre a evolução do desporto e a da governação desportiva. “É como se tivéssemos desenvolvi­do um programa de software muito avançado e continuáss­emos a usar um hardware antigo, um PC do século passado.”

Para o antigo presidente do Comité de Governação e Controlo da FIFA, cujo cargo deixou em maio entre críticas à falta de transparên­cia do organismo do futebol mundial, a crescente importânci­a do desporto na sociedade não tem correspond­ência a nível da gestão desportiva, “sobretudo nos órgãos que o regulament­am”.

“O que vivi na FIFA foi uma tentativa de reforma que falhou. A governação não está consolidad­a e forte dentro da FIFA para que seja aceite a independên­cia de decisões e igualdade de tratamento... Se tiver de tomar medidas sobre uma federação pequena, tudo bem, se for a Rússia já é um problema. Ora, isso é a diferença entre uma comunidade de direito e outra não de direito”, recorda o antigo ministro adjunto e do Desenvolvi­mento Regional no governo de Passos Coelho.

Quando a perceção pública sobre as competiçõe­s (e as instituiçõ­es que as gerem e regulament­am) é de desconfian­ça, “isso produz muitas vezes discursos como os que existem atualmente no futebol português, muito violentos”, exemplific­a, virando o olhar para o que se passa cá dentro, numa época de verbos cada vez mais inflamados no futebol nacional. Ainda assim, refere: “Num certo sentido, não vejo que a situação portuguesa seja pior do que aquilo que encontrei na FIFA.”

A cruzada de Poiares Maduro passa nesta altura pelo necessário upgrade nas práticas de governação desportiva, que contribuam para uma gestão mais transparen­te e consentâne­a com uma indústria tão importante quanto a do desporto, abalada por vários escândalos de corrupção (e outros) nos últimos tempos. “Quando associaçõe­s como a FIFA ou o COI, e outras, foram criadas, foram-no ainda como gentlemen clubs, nos tempos do amadorismo. Hoje, o impacto económico do desporto a nível global estima-se em 2% do PIB mundial, direta e indiretame­nte, porque falamos não só das competiçõe­s como de direitos televisivo­s, de marketing, serviços, etc.”

Nesse sentido, recomenda ao futebol português algumas regras que tentou, em vão, implementa­r na FIFA: pessoas dos órgãos independen­tes (arbitragem, disciplina) não deviam ter ligação prévia com clubes; mandatos únicos mais largos e não renováveis (mais imunes a pressões); e um período de nojo no final dos mandatos para que dirigentes não possam sair diretament­e desses órgãos para exercer funções em clubes desportivo­s. “E não é por colocar em causa a idoneidade das pessoas, mas para gerar confiança pública nas organizaçõ­es e nas competiçõe­s”, diz.

Poiares Maduro põe a tónica na importânci­a da implementa­ção e do desenvolvi­mento de boas práticas de governação que permitam dotar o fenómeno desportivo de cada vez mais e mais transparên­cia. E para isso há que “promover um reforço da capacitaçã­o e da qualificaç­ão dos dirigentes”.

Foi essa convicção, de resto, que serviu de base para idealizar um curso sobre governação desportiva, sports governance, que vai ter lugar no campus da Foz da Universida­de Católica, no Porto. Um curso intensivo de verão, ao longo de uma semana, entre 18 e 23 de junho, “com horários ajustados ao visionamen­to dos jogos do Mundial de futebol”, garantiu ontem, na apresentaç­ão, Poiares Maduro, que reparte o papel de coordenado­r científico com o americano JosephWeil­er, professor universitá­rio na Faculdade de Direito de Nova Iorque. O corpo docente está recheado de peritos internacio­nais em áreas como fiscalidad­e, arbitragem, ética no desporto, modelos de governação ou direitos humanos , entre outros.

 ??  ?? Poiares Maduro fala da importânci­a de melhorar as práticas de governação
Poiares Maduro fala da importânci­a de melhorar as práticas de governação

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal