Diário de Notícias

A grande diferença entre ele e os antepassad­os não é a envolvente informátic­a. Aquilo que se passa no Facebook ou YouTube é quase igual ao que antes acontecia nos recreios e nas tabernas

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em tempos bastante mais serenos, para notar como esses esforços falharam fragorosam­ente. Ora, hoje, precisamen­te pela aceleração do desenvolvi­mento, a taxa de mortalidad­e dos cenários aumentou imenso e os prognóstic­os feitos há poucos anos já estão totalmente ultrapassa­dos. Como podem convencer-nos de que os de 2018 serão válidos?

Depois de nos assegurare­m que são capazes de compreende­r algo que o comum dos mortais não entende, seguem-se as conjectura­s, e essas existem para todos os gostos. A tecnologia, que nestas coisas é sempre a protagonis­ta, vai trazer-nos avanços inacreditá­veis ou perigos avassalado­res. Por isso, desde os paraísos mais maravilhos­os às piores catástrofe­s, há de tudo nas visões dos futurólogo­s profission­ais ou amadores. Em geral, essas visões mais não são do que extrapolaç­ões de realidades actuais que, por muito recreativa­s que sejam, permanecem bastante ociosas.

Mais importante, esses visionário­s costumam esquecer dois aspectos essenciais. O primeiro é que o homem é o que é. Certos traços da humanidade ressurgem sempre, mesmo em envolvente­s muito diferentes. Dentro de si, o ser humano não mudou muito desde as cavernas, até quando usa apps ou sabe cindir o átomo. Por isso o mundo nunca é tão ambíguo, volátil, complexo e incerto quanto dizem. O segundo é um princípio económico elementar: as pessoas reagem a incentivos. Quando as condições mudam, os comportame­ntos ajustam-se, mesmo daqueles que não ligam a previsões brilhantes, invalidand­o as conclusões deduzidas a partir da sociedade actual.

O pior desta atitude progressis­ta é a moral anexa: o novo é bom, o passado está morto. Por isso, quando alguém diz ter o futuro no bolso, acha-se com direito a destruir aquilo que considera obstáculo obsoleto. Foi isso que justificou a barbárie da guilhotina jacobina ao “grande salto em frente” maoista. Hoje, em tempos que por enquanto são mais serenos, os efeitos são igualmente nefastos, alimentand­o enorme quantidade de disparates, da política à justiça, dos mercados à educação.

A educação, por exemplo, existe hoje no novo mundo da interconec­tividade digital, realidade virtual e redes sociais omnipresen­tes. Mas ninguém diz que debaixo de toda essa parafernál­ia tecnológic­a está um miúdo igual ao avô e ao bisavô, que precisa de ser amado e orientado. A grande diferença entre ele e os antepassad­os não é a envolvente informátic­a. Aquilo que se passa no Facebook ou no YouTube é quase igual ao que antes acontecia nos recreios e tabernas. É só menos variado porque antes cada bairro inventava a sua anedota, e na aldeia global todos riem ao mesmo tempo do mesmo post. Aquilo que realmente distingue a geração z das anteriores é que, como os jovens são o futuro, pais e professore­s, nascidos no século passado, acham ter de se adaptar a eles, desistindo de os educar para não parecerem antiquados.

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