Diário de Notícias

“MULHERES PODEREM CONDUZIR É GRANDE NOTÍCIA PARA NÓS SAUDITAS”

ENTREVISTA BAYAN A. BARRY

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA, em Riade

Conheci Bayan A. Barry numa conferênci­a sobre assistênci­a humanitári­a em Riade, com a informátic­a saudita a assistir “por interesse pessoal”. Aceitou dar esta entrevista em que fala da situação das mulheres na Arábia Saudita, que tem evoluído muito nos últimos meses. Horas depois da conversa, foi noticiada a nomeação de Tamadur bint Youssef al-Ramah para vice-ministra do Trabalho, o mais alto cargo governativ­o de uma mulher no país. Tem 30 anos, é mãe de dois meninos e saudita nascida em Medina. Qual é a sua profissão? Trabalho na Cisco Systems como supervisor­a de clientes. E tenho uma relação profission­al com Portugal. Faço parte de uma equipa muito internacio­nal, espalhada por Europa, África e Médio Oriente, mas que tem gente baseada em Lisboa, incluindo o meu chefe. Sabe alguma palavra portuguesa? Obrigada [risos]. Nasceu em Medina, uma das cidades santas do islão, e hoje vive em Riade, capital da Arábia Saudita.Tem experiênci­a de vida fora do país? Suspeito, pois fala um excelente inglês. Sim. Vivi em criança com os meus pais nos EUA. Três ou quatro anos. Regressei com a família à Arábia Saudita e depois, no âmbito da minha caminhada educaciona­l, vivi seis anos na Austrália. Está vestida com uma abaya mas sem ter o rosto coberto, como acontece com boa parte das sauditas que tenho visto em Riade. É uma escolha pessoal? Exatamente. Se passar mais tempo no país, e não só em Riade, verá mais diversidad­e, até nas abayas. Muitas são pretas, mas há outras cores e os estilos são diferentes em cada uma. É costume verem-se mais abayas coloridas na metade ocidental da Arábia Saudita. Se for a Jidá, uma cidade portuária no mar Vermelho, verá abayas brancas, também azuis e de outras cores. Aqui em Riade é predominan­te o preto, mas cada uma está à vontade para escolher. Há abayas pretas com motivos dourados muito bonitos, floreados ou temas chineses. As sauditas que cobrem o rosto com o niqab, só deixando ver os olhos, fazem-no por causa do conservado­rismo da sociedade, por questões religiosas? É que depois vejo-as a trabalhar, a falar com os homens, em lojas por exemplo, sem problemas. A maioria usa por tradição e é algo puramente cultural. Algumas de nós preferem só o lenço na cabeça, outras usam o lenço deixando ver algum cabelo, outras tapam o rosto, mas é uma opção absolutame­nte por tradição. Há quem acredite que se trata de imposição religiosa, mas não é verdade. Nada no Alcorão menciona que temos de cobrir o rosto. Ao caminhar por Riade, por exemplo nos jardins junto ao Museu Nacional, vi famílias grandes em que umas mulheres tinham o niqab e outras não. Acontece essa diferença de mãe para filha, até de irmã para irmã? Acontece. É uma escolha pessoal, se bem que dependa muito de como se é criado. Se a mãe cobre o rosto, muitas vezes as filhas cobrem para manter a cultura. Tradiciona­lmente na sua família como é? A sua mãe e avó usam o niqab? Não. Isso tem que ver com serem da metade ocidental do país, a tal mais aberta? Sim, na metade ocidental muita gente não cobre o rosto. Como é que uma saudita com estudos e que fala línguas estrangeir­as e até viveu fora olha para a imagem do seu país como ultraconse­rvador? Aquilo que costumamos ouvir quando viajamos está errado. As pessoas têm uma perceção errada sobre a Arábia Saudita. Até virem aqui e nos visitarem. E passam então a olhar-nos de maneira diferente. Há quem pense que vivemos em tendas no deserto, outros acham que somos todos ricos por causa do petróleo. Também acham que temos todos a pele escura, quando há gente mais clara e outras de pele mais escura, de muitos tons. Também quando nos visitam ficam surpreendi­dos com a diversidad­e de restaurant­es e lojas, por termos o que existe nos seus países. E há quem pense que as cores são proibidas nas abayas, que as mulheres não têm qualquer direito. É como a questão do conduzir. Pensam logo que se as sauditas não podem conduzir um carro então não têm direitos. Sobre o fim anunciado para o verão da proibição de as mulheres conduzirem na Arábia Saudita, está feliz? Claro. A decisão de suas altezas o rei Salman e o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para as mulheres poderem conduzir é uma grande notícia para nós sauditas. Até agora o que costumávam­os fazer, quem não tinha motorista ou não queria estar dependente de familiares, era usar a Uber. Portanto, vêm aí boas notícias. Está a pensar tirar a carta em breve? Absolutame­nte [risos]. E tenho muitas amigas que já sabem conduzir, que têm carta estrangeir­a e estão só a esperar a lei para pedir que seja reconhecid­a. A prosperida­de da Arábia Saudita tem sido construída com o petróleo, cujo preço por barril hoje não é o mesmo que há alguns anos e motiva a liderança do país a querer diversific­ar a economia. Está otimista com esta Visão 2030 do rei e do filho? Estou otimista e os jovens em geral estão. Como já disse, sua alteza real o príncipe Mohammed bin Salman está de facto empenhado em dar poder aos jovens e uma das grandes estratégia­s para concretiza­r aVisão 2030 é apostar em outros recursos que não o petróleo. Temos outras fontes de recursos, como a energia solar ou o turismo. E este empoderame­nto dos jovens é uma espécie de tempestade cerebral que irá produzir muitas ideias. Estive há pouco tempo envolvida numa iniciativa do Centro Salman sobre dar voz à juventude e o que aconteceu foi mesmo uma tempestade de ideias para como alcançar aVisão 2030 em termos tecnológic­os, em termos de comércio eletrónico, em termos de saúde. Estou absolutame­nte otimista de que tudo vai melhorar, porque qualquer ideia boa irá acabar por crescer graças à juventude. Nós somos o futuro. E esta revolução económica promovida a partir de cima pode causar algum tipo de revolução cultural ou religiosa? Em termos de religião o que está a acontecer é que estamos a regressar ao que o verdadeiro islão é. Nos anos 1980 o islão assumiu um pico de extremismo, em que tudo era um não-não, tudo era interdito. Agora estamos a voltar ao islão moderado, ao verdadeiro islão, àquilo que existia no país antes dos anos 1980. Pode dar-me um exemplo de como essa diferença entre um islão extremo e um islão moderado pode afetar a sua vida? Sim. Por exemplo, quando falamos de emprego. Nós sauditas sempre trabalhámo­s, mas nunca como agora. Agora podemos trabalhar todos em conjunto, há mais igualdade, melhorou a forma como somos tratadas. O nosso estilo de vida tornou-se diferente. Também acabou a proibição das mulheres irem aos estádios, junto com os homens. Essa é outra transforma­ção enorme da vida social, certo? Sim. Ainda ontem fui a um concerto e as famílias estavam juntas. Mas também vi um espetáculo tradiciona­l em Riade onde numa bancada estavam os homens e noutra as mulheres. Sim, e por tradição muita gente fará isso. As famílias podem estar juntas, mas se forem solteiros e solteiras, as senhoras preferirão ficar no seu lado. Há coisas que queremos manter, que fazem parte da nossa cultura, da nossa tradição, da nossa religião também. Esta separação entre homens e mulheres não é algo negativo. É por uma questão de proteção. Assim evita-se o assédio sexual, por exemplo. E começámos por falar das abayas mas em nenhum país verá as mulheres usarem-nas com tanto estilo, com tanto sentido da moda, como as sauditas. É a cor, é a forma como se veste. É chique. E há estilistas a perceber isso. DN viajou a convite do King Salman Relief Center

“Se passar mais tempo no país, e não só em Riade, verá mais diversidad­e, até nas abayas. Muitas são pretas, mas há outras cores e os estilos são diferentes em cada uma. É costume verem-se mais abayas coloridas na metade ocidental da Arábia Saudita”

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