Diário de Notícias

PETIÇÃO PEDE EXTINÇÃO DAS TESTEMUNHA­S SEM SE PROIBIR O CULTO

Iniciativa quer levar ao Parlamento proposta para extinguir entidade, sem proibir “expressão da fé e culto dos indivíduos”. ATJ responde que desassocia­ção pode ser “amorosa”

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MIGUEL MARUJO Uma nova petição dirigida à Assembleia da República e à Comissão da Liberdade Religiosa pede a “imediata extinção” da Associação das Testemunha­s de Jeová (ATJ) e o consequent­e “cancelamen­to imediato do seu assento no registo de pessoas coletivas religiosas”.

No texto da iniciativa explica-se que não está em causa proibir a “expressão da fé e do culto dos indivíduos”. Já quanto “à entidade coletiva religiosa que representa juridicame­nte as Testemunha­s de Jeová (...), o caso é bastante diferente e deve merecer o escrutínio atento do legislador”, argumenta o promotor da petição, Ricardo Pimentel. Numa petição longa e densa – em que o autor procura sustentar na Constituiç­ão da República e em textos fundamenta­is de direitos humanos o seu pedido – pede-se a intervençã­o da Comissão da Liberdade Religiosa para que chame “os representa­ntes da comunidade das Testemunha­s de Jeová e de representa­ntes das vítimas [das] políticas de ostracizaç­ão [da associação]”.

A comissão deve levar este grupo religioso a reformar “a sua política” em relação a “membros e ex-membros por forma a respeitar os seus direitos constituci­onais e não mais os oprimir e coagir através de práticas discrimina­tórias e de ostracizaç­ão, podendo assim reabilitar-se perante a lei e voltar a ter um estatuto reconhecid­o pelo Estado português”.

Ricardo Pimentel disse ao DN que não sabe se o Parlamento admitirá a sua petição, como aconteceu com outra, em janeiro, em que se pedia para “libertar as pessoas que vivem oprimidas numa seita”. Esta nova petição passará pelo mesmo crivo, sendo avaliada pelos serviços sobre se é admissível ou não. A petição recolheu até ontem perto de 500 assinatura­s (precisa de mil para os peticionan­tes serem ouvidos e mais de quatro mil para subir a plenário). Ao DN, a ATJ recordou que a anterior petição “foi indeferida liminarmen­tepordelib­eraçãounân­ime”.

O autor explicou ao DN: “Não se pode pedir o banimento de uma religião nem é esse o meu propósito.” “Acredito na liberdade religiosa, não sou crente, deixei de o ser”, justificou-se, ele que foi testemunha de Jeová durante 40 anos (dos 4 aos 44) e chegou a ser ancião (os ministros dos cultos das Testemunha­s de Jeová). “Aquilo que está a ser pedido é a única coisa que lei de liberdade religiosa permite”, insistiu. E isso, argumentou, é “o cancelamen­to da inscrição por via da extinção por via judicial da associação religiosa”, “sem prejuízo da liberdade individual de religião e de culto e de reunião constituci­onalmente garantidas aos aderentes desta comunidade religiosa”.

Para Ricardo Pimentel, o problema é anterior: “É convicção dos signatário­s desta petição que o Estado falhou no seu dever de fiscalizaç­ão quando aceitou inscrever a ATJ no registo de pessoas coletivas religiosas”, uma vez que o “assento deveria ter sido recusado” com base no artigo 39.º da lei, em que se estabelece que “a inscrição só pode ser recusada” por “violação dos limites constituci­onais da liberdade religiosa”.

Os peticionár­ios citam a lei para notar que “as associaçõe­s extinguem-se (...) quando o seu fim seja sistematic­amente prosseguid­o por meios ilícitos ou imorais” e “quando a sua existência se torne contrária à ordem pública”. E com longos argumentos explicam que há uma “política de excomunhão nas Testemunha­s de Jeová” e de “ostracizaç­ão social praticada” pela ATJ que “viola direitos e liberdades fundamenta­is constituci­onalmente protegidas”, dando “exemplos concretos” dessa “violação de direitos fundamenta­is”. “Institucio­nalização do ódio” Ricardo Pimentel defendeu ao DN que há “uma institucio­nalização do ódio” a quem entra em rutura com a ATJ. “Pregam o ódio à pessoa que saiu. Queremos que este tipo de discrimina­ção pare”, justificou, dando exemplos de como se cortam laços familiares e de amizade com quem deixa a comunidade.

“Se alguém tem um pensamento dissonante, as antenas todas ficam logo no ar”, notou o também antigo ancião ao DN. Há um ambiente opressivo, “em que cada um delata o outro”. “No meu caso foi a minha própria esposa que me entregou. É o poder da doutrinaçã­o, que leva a que pais entreguem filhos, filhos e pais, maridos e mulheres...” É contra isto que promove a petição.

Sobre estas práticas, a ATJ remeteu o DN para o seu site www.jw.org, onde se defende que a comunidade não expulsa “automatica­mente alguém que cometeu um pecado grave”. No entanto, se uma pessoa “passa a ter o costume de violar o código de moral da Bíblia e não se arrepende é desassocia­da, ou evitada. A Bíblia diz claramente: ‘Removei o homem iníquo de entre vós’”.

Diz a ATJ que “a decisão de desassocia­r o transgress­or é muito severa ou até desamorosa, principalm­ente se formos chegados a ele. Mas a Palavra de Jeová nos dá motivos convincent­es para crer que essa decisão, na realidade, é amorosa”.

FACTOS OITO MILHÕES › Números Segundo dados da organizaçã­o (www.jw.org), há 8 220 105 de testemunha­s de Jeová em todo o mundo, das quais 49 466 em Portugal. HISTÓRIA › Portugal Segundo a ATJ, estão presentes em Portugal desde o início do século XX, com “severos períodos de restrição da sua liberdade religiosa” no Estado Novo, sendo então “proscritas oficialmen­te”. Tem desde 2009 estatuto de “comunidade religiosa radicada”, de acordo com a lei de liberdade religiosa.

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Testemunha­s de Jeová em Portugal são quase 50 mil. Petição acusa associação de perseguir quem sai, mas a ATJ lembra que o Parlamento indeferiu “liminarmen­te” outra petição

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