Pieyre-Alexandre Anglade “Governo da Liga seria um risco para a Europa”
Presente na conferência Fortalecer a Democracia na Europa, iniciativa do Instituto Jacques Delors e da Fundação Gulbenkian, que ontem decorreu em Lisboa, o deputado do La République en Marche!, partido do presidente Emmanuel Macron, falou ao DN sobre as repercussões das eleições italianas e da luz verde do SPD alemão ao governo de coligação com a chanceler Angela Merkel, entre outros temas. Os resultados das legislativas italianas mostram a vitória clara das correntes críticas do projeto europeu. Más notícias para a União Europeia (UE)? Sim. A Europa necessita de uma Itália estável, pró-europeia, e com estes resultados está-se perante uma tendência de direita, mesmo de extrema-direita. E com o sucesso da Liga, o seu dirigente, Matteo Salvini, pode mesmo reivindicar o cargo de primeiro-ministro. A concretizar-se um governo liderado pela Liga, isso seria um risco para a Europa... E há ainda o voto no 5 Estrelas... O 5 Estrelas é uma questão diferente: foi criado em reação ao sistema político, tem uma origem distinta da Liga e integra correntes diferentes entre si, divergentes mesmo. Há uma tendência populista e há tendências reformistas. É menos homogéneo do que a Liga... e o seu discurso tem evoluído. Durante a campanha alteraram o seu discurso. Defendiam um referendo sobre o euro e deixaram de o fazer... É um movimento em mudança. O que resulta paradoxal perante o resultado das eleições em Itália é que, no momento em que se chega finalmente a uma solução estável de governo na Alemanha, a Itália entra num período, presumivelmente, de grande incerteza. Isto faz-nos pensar que na Europa, hoje, as situações de crispação e de incerteza são cada vez mais numerosas. O que, creio, se deve ao modo como as instituições europeias responderam aos desafios destes últimos anos. Deve refletir-se nisso. Por exemplo, em França foi um movimento pró-europeu e reformista [La République en Marche!] que chegou ao poder, mas noutros países verificou-se a vitória de partidos contrários à ideia da Europa. E isto porque a UE, para muitos, se mostrou incapaz de atuar de forma eficaz sobre as situações que foram sucedendo. Isto acentuou o fosso entre as instituições e os europeus. Situação a que é preciso dar resposta rápida, com um novo projeto político. Os resultados em Itália como, de outro modo, em França parecem indiciar uma séria crise dos partidos tradicionais, à esquerda e à direita, e talvez o fim do bipartidarismo vigente em muitos países, com a afirmação de novos projetos políticos. Este fenómeno vai ter consequências no futuro? É preciso ter presente que os partidos de centro-direita e de centro-esquerda na Europa, na maioria dos casos, constituíram-se após a II Guerra Mundial para responder às questões desse período. Desde então, mostraram-se incapazes de mudar, de se reinventar... A partir de que momento? Desde o início do século XXI. Houve partidos capazes de fazer o seu aggiornamento, outros não. Em França, o Partido Socialista e Os Republicanos desapareceram ou estão em vias disso porque deixaram de partilhar o que quer que seja, deixaram de ter uma mesma visão do mundo naquilo que pode ser comum à direita e à esquerda. Por isso surgiram novas forças políticas... Os socialistas estão pulverizados, Os Republicanos subsistem. Os Republicanos estão também pulverizados e em vias de desaparecer. Os Republicanos tornaram-se um partido conservador, imobilista, protecionista, populista, próximo da extrema-direita. Deixaram de ter qualquer projeto para a Europa, qualquer linha política sobre o projeto europeu. Um exemplo: há duas semanas, na Assembleia Nacional francesa, houve uma votação sobre o acordo de livre comércio UE-Canadá e todos os grupos políticos tinham uma posição de voto estabelecida, a favor ou contra, exceto Os Republicanos. Foram o único grupo parlamentar a dar liberdade de voto aos seus deputados. Alguns votaram ao lado da extrema-esquerda e outros votaram connosco. Isto é prova de que também eles estão extremamente divididos e vão ter muita dificuldade em afirmar-se no debate europeu, tanto mais que começam a parecer-se muito com Marine Le Pen na matéria. Ainda sobre a crise dos partidos, pode referir dois ou três casos? Há uma sucessão de casos. A começar pelo não da França e da Holanda ao projeto de Constituição europeia, em 2005, a que se seguiu a crise económica e financeira, a crise do euro e a crise da dívida, da Grécia e de outros países da Europa do Sul, como Portugal, as guerras na Líbia e na Síria, a guerra na Ucrânia, a crise dos refugiados, o terrorismo, o aumento do fosso entre as instituições da UE e os cidadãos e, por fim, o brexit. Temos uma sucessão de crises ao longo de 15 anos sem respostas adequadas. Como vê a situação presente? Após o brexit e as eleições em França, verificou-se uma espécie de sobressalto pró-europeu em certos países. Diria que, pelo menos para uma parte dos europeus, é necessário um projeto europeu mas não o desta Europa. Desejam a renovação e a refundação do projeto europeu, uma UE que responda ao desafio das migrações, do terrorismo, que seja mais solidária e capaz de proteger os empregos e a iniciativa empresarial. Se formos capaz de levar adiante essa refundação entre 2018 e 2024, há a possibilidade de levarmos a UE na boa direção. Os resultados em Itália e em França, a afirmação do Ciudadanos em Espanha sugerem que estamos perante a crise definitiva dos partidos clássicos? Os partidos tradicionais de esquerda ou de centro-esquerda, se quiser, e de direita foram construídos para responder a desafios do passado. Como disse, está a assistir-se ao aparecimento de movimentos novos e é necessário ter em consideração que tudo hoje sucede a grande velocidade. Penso que a clivagem deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser entre conservadores, ou imobilistas, e progressistas ou reformistas... Conservadores como sinónimo de direita? Não. Há conservadores à esquerda: aqueles que nada querem mudar. É possível haver políticos de direita progressistas. O mesmo se aplica à esquerda.
“Hoje na Europa as situações de crispação e incerteza estão a tornar-se cada vez mais numerosas” “A clivagem deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser entre conservadores, ou imobilistas, e progressistas, ou reformistas”
Na Alemanha, a luz verde do SPD ao acordo de governo com a chanceler Merkel é uma boa notícia para as intenções de Emmanuel Macron e da sua ambição de refundar a Europa? Estava-se numa situação paradoxal. Durante uma década, a Alemanha teve condições para promover reformas, defender um projeto ao mesmo tempo que tinha de esperar pelas reformas em França e uma real parceria com Paris no plano europeu. Ora, com a vitória de Macron e do La République en Marche!, a França recuperou o seu lugar na Europa ao mesmo tempo que a Alemanha entrava num período de incerteza. Agora, com a Alemanha a ter uma coligação estável e com um governo estável em França, é possível relançar o projeto europeu. Acredito no motor franco-alemão sem deixar de ter uma visão mais ampla da dinâmica europeia e acho indispensável conseguir-se agregar outros países ao processo. Numa conjuntura marcada pelo brexit, pelo desafio dos soberanistas e eurocéticos, pelo alargamento da UE aos Balcãs, quais devem ser as prioridades para as europeias de 2019? O mandato do Parlamento Europeu que finda em 2019 foi marcado pelo brexit, fenómeno excecional na história europeia e ao qual não se tem dado a devida resposta política. Discute-se o brexit como uma questão técnica, como se fosse algo semelhante às quotas de pesca. Por isso, o mandato 2019-2024 deve concentrar-se em respostas políticas e a relançar o projeto europeu. De que forma? Exemplos concretos: a reforma da zona euro, que se tem mostrado disfuncional, a garantia de segurança para os europeus perante a ameaça terrorista, o fim da situação que se vive no Mediterrâneo, com a morte de migrantes, que é uma vergonha total para a Europa – e quero frisar este aspeto e lembrar que os europeus deixaram os italianos sós nesta questão.Viu-se agora o que produziu: o voto maioritário dos italianos pela extrema-direita e pelos movimentos populistas anti-imigração. Os Acordos de Dublin devem ser revistos, tal como estão são um exemplo de egoísmo nacional, que deixa a Itália e a Grécia por si sós. É preciso uma resposta europeia à questão migratória. Outra questão: uma melhor partilha de informações para prevenir atos terroristas. E, obviamente, a vertente da defesa europeia. A Europa tem-se mostrado incapaz de atuar fora das suas fronteiras nesta área. É nestas matérias que é preciso mostrar que a Europa é capaz de iniciativa e de se reformar nos aspetos necessários, ou continuará a parecer tecnocrática e distante.