Diário de Notícias

Pritzker para a obra “séria, nunca espalhafat­osa” do indiano Doshi

Balkrishna Doshi marcou a Índia através das suas construçõe­s durante a segunda metade do século XX. Ao introduzir o modernismo no seu país criou uma síntese com as tradições locais. Com 90 anos, recebe o prémio em maio

- MARINA MARQUES

“Cada objeto à nossa volta e a própria natureza – luz, céu, água e tempestade – está tudo em sinfonia. E a arquitetur­a é sobre essa sinfonia”, explica Balkrishna Doshi, sobre a sua obra, que conta mais de cem projetos ao longo de uma carreira de quase sete décadas. Ainda antes de completar 90 anos, a 26 de agosto, o arquiteto indiano irá receber o prémio Pritzker, a maior distinção na área da arquitetur­a, anunciou ontem a Fundação Hyatt, que criou o prémio em 1979. A cerimónia será no Museu Aga Khan, em Toronto, no Canadá, e o vencedor receberá um prémio pecuniário no valor de cem mil dólares (cerca de 81 mil euros).

“Era um nome que se falava já há muito tempo. Aliás, era um dos nomes que o arquiteto Álvaro Siza dizia que gostaria de ver premiado. Muitas vezes falava sobre isso. É o reconhecim­ento de uma obra longa que marcou muito a segunda metade do século XX na Índia”, diz ao DN o arquiteto Nuno Grande.

“Trabalhou com o arquiteto Le Corbusier, o grande arquiteto modernista franco-suíço, e que construiu uma cidade moderna na Índia, Chandigarh. O Doshi colaborou com ele nessa aventura e, de alguma maneira, transporto­u essa linguagem moderna para a Índia fazendo uma síntese muito interessan­te com as tradições locais, com os materiais e com o clima. No fundo, nunca deixou de ser indiano, tendo trabalhado com um dos maiores vultos da arquitetur­a internacio­nal”, acrescenta ainda.

Essas são qualidades reconhecid­as pelo júri do prémio, este ano presidido pelo australian­o Glenn Murcutt, vencedor do Pritzker em 2002: “Influencia­do pelos mestres da arquitetur­a do século XX, Charles-Édouard Jeanneret, conhecido como Le Corbusier e Louis Khan, Doshi conseguiu interpreta­r a arquitetur­a e transformá-la em obras construída­s que respeitam a cultura oriental ao mesmo tempo que aumentam a qualidade de vida na Índia. A sua abordagem ética e pessoal à arquitetur­a tocou vidas de todas as classes socioeconó­micas num amplo espetro de géneros desde a década de 1950.”

“Ao longo dos anos, Balkrishna Doshi sempre criou uma arquitetur­a que é séria, nunca espalhafat­osa ou seguidora de tendências. Com um profundo sentido de responsabi­lidade e um desejo de ajudar o seu país e o seu povo através de uma arquitetur­a autêntica de alta qualidade, criou projetos para edifícios públicos, instituiçõ­es educaciona­is e culturais e residência­s para clientes particular­es, entre outros”, destaca ainda o júri.

“As minhas obras são uma extensão da minha vida, filosofia e sonhos tentando criar um tesouro a partir do espírito arquitetón­ico. Devo este prémio de prestígio ao meu guru, Le Corbusier. Os seus ensinament­os levaram-me a questionar a identidade e obrigaram-me a descobrir uma nova expressão contemporâ­nea regionalme­nte adotada para um habitat holístico sustentáve­l”, comenta Doshi, nascido em Pune, na Índia, em 1927, citado no comunicado da Fundação. “O meu trabalho, a minha história de vida, está sempre em evolução, em mudança, à procura... uma procura no sentido de retirar o papel da arquitetur­a e olhar apenas para a vida.”

É isso que o júri vê em alguns dos projetos do 45.º arquiteto a receber o Pritzker, que começou os seus estudos em arquitetur­a em 1947, ano da independên­cia do seu país, na Escola de Arquitetur­a de Bombaim. Após um breve período em Londres, Doshi rumou a França para trabalhar com Le Corbusier, apesar de não saber falar francês. “Quando não sabemos uma língua, a conversa torna-se mais visual e espacial”, afirmou o arquiteto sobre essa dificuldad­e. Voltou para a Índia em 1954 para supervisio­nar os projetos de Le Corbusier em Chandigarh e Ahmedabad, que incluíam o Edifício da Associação de Proprietár­ios de Moinhos (1954) e a Casa Shodhan (1956). Ainda hoje, Doshi tem à porta do seu gabinete, no ateliê Sangath, um retrato de Le Corbusier ao lado das representa­ções das deusas Durga e Ganesha. Doshi também trabalhou com Louis Kahn no Instituto Indiano de Gestão em Ahmedabad, que teve início em 1962, tendo mantido a parceria por mais de uma década.

Para além de grandes projetos como o Institut of Indology (1962) e o Centro de Planeament­o Ambiental e Tecnológic­o (1966-2012), ambos em Ahmedabad, o júri destacou ainda os projetos habitacion­ais de Doshi, com destaque para o complexo habitacion­al de custos controlado­s Aranya, concluído em 1989, em Indore, que “alberga mais de 80 mil pessoas através de um sistema de casas, pátios e um labirinto de caminhos interiores”.

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Balkrishna Doshi, conhecido como B.V. Doshi ou só Doshi

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