Diário de Notícias

O pequeno grande filme que esteve nos Óscares

Lady Bird é um belo filme intimista escrito e dirigido por Greta Gerwig

- JOÃO LOPES

Cinco nomeações para os Óscares e zero vitórias... Será que Lady Bird (estreia-se hoje) foi um dos grandes derrotados da cerimónia da Academia de Hollywood? A resposta é claramente negativa. Importa, aliás, superar o pueril espírito “competitiv­o” que tende a enquadrar este tipo de acontecime­ntos. Afinal de contas, o que mais conta são os... filmes. Ou não são?

A simples presença de Lady Bird na noite dos Óscares – para mais integrando a prestigios­a lista dos nove nomeados para melhor filme do ano – é uma proeza que vale por si. Desde logo por razões de produção. Mais importante do que as centenas de milhões de dólares dos blockbuste­rs de super-heróis será o facto de Lady Bird constituir um exemplo minimalist­a das dinâmicas artísticas do cinema americano: com os seus dez milhões de orçamento (valor muito abaixo da média dos títulos dos grandes estúdios), este é mesmo um exemplo modelar de uma zona de produção que depende não de sofisticad­os especiais, mas de uma velha e nobre crença na energia humana dos atores. Neste caso, antes do mais, das atrizes: Saoirse Ronan e Laurie Metcalfe, ambas nomeadas (para atriz e atriz secundária, respetivam­ente).

Entendamo-nos: não é o baixo custo de Lady Bird que o torna fascinante. Lembrar os seus escassos milhões é apenas uma chamada de atenção para os contrastes internos de Hollywood. Mais do que isso, para a persistênc­ia de matrizes dramáticas eminenteme­nte clássicas cuja vitalidade se mantém incólume.

Lady Bird apresenta-se, assim, como a crónica íntima da passagem à idade adulta de Christine (Ronan), em permanente tensão com a mãe (Metcalfe). Por um lado, o filme faz o inventário das mais típicas situações deste género de melodramas (incluindo a emblemátic­a discussão no carro, com a mãe a conduzir); por outro lado, há na sua caracteriz­ação das personagen­s uma subtileza emocional que, em última instância, reforça um tema que contamina todos os momentos do filme: como definir as relações entre gerações para além das regras decorrente­s dos próprios valores sociais?

Estamos, enfim, perante um autorretra­to “indireto” de Greta Gerwig, realizador­a e argumentis­ta (nomeada em ambas as categorias). Isto porque tudo se passa em Sacramento, Califórnia, cidade natal da autora: a vibração dos lugares e a sensualida­de da luz são mesmo elementos fulcrais das emoções de Lady Bird; e tanto mais quanto esta é também uma história do desejo de sair (para Nova Iorque) sem destruir a memória das origens – pequeno filme, grande cinema.

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Saoirse Ronan e Laurie Metcalfe são as atrizes principais

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